Mais do que surpreso com a notícia de um novo álbum de Prince, eu fiquei muito curioso. E mais do que curioso, desconfiado. Como soaria Prince Rogers Nelson em 2010 depois de anos de batalhas judiciais contra sua ex-gravadora (Warner Bros.), discos medianos e conversão religiosa (Prince tornou-se Testemunha de Jeová em 2003)? Seria o mesmo cara que lançou o sexualmente explícito Dirty Mind em 1980, ou o mesmo que produziu um dos melhores discos de todos os tempos (Sign O'The Times, 1987)? Bastou uma audição de 20Ten para todas as dúvidas se dissiparem: o álbum é muito bom. Não é à toa que estão dizendo por aí que é o melhor produto desse multi-homem de Mineápolis desde Love Symbol Album de 1992, quando ele se auto-proclamou "o artista anteriormente conhecido como Prince" e adotou um símbolo impronunciável para identificá-lo. Vou falar das duas únicas músicas sem graça desse disco: a abertura "Compassion" e a penúltima faixa chamada "Everybody Loves Me" são as que destoam do resto de 20Ten. Mas aí é claro que o problema não é com um craque como Prince, é comigo. Eu particularmente não gosto da faceta rock de Prince, onde ele exercita sua porção Little Richard. A mim soa como rock de trilha de filme musical vagabundo, tudo muito alegrinho e forçado, recheado de solinhos inúteis. E Prince ainda colocou umas baterias eletrônicas fuleiras nas duas canções pra eu torcer um pouquinho mais o nariz. Mas tudo bem, por que as outras oito canções são excelentes. Porque quando Prince investe no mela-cueca, sai de baixo. Sai de cima. De ladinho. E aqui nesse disco há três momentos de soul/R&B primorosos: os xá-lá-lá-lás sedutores dos backing vocais em "Future Soul Song", o lindo falsete e a melodia sossegada de "Walk In Sand" e os wah-wahs e o ritmo trôpego de "Sea Of Everything", três viagras musicais de instrumental e vocais impecáveis. E quando Prince decide dar uma amostra de seu enorme talento pra fazer dançar, aproveite. Pra isso, ele faz a guitarra serpentear em riffs sinuosos e coloca um baixo emborrachado na música (apropriadamente chamada) "Sticky Like Glue", ou capricha na levada soul ("Lavaux"), ou ainda dá uma aula de ritmo no funk "Act Of God". "Beginning Endlessly" é um funk torto que de novo mostra a habilidade de Prince nas seis cordas, enquanto "Laydown" encerra o álbum com beats de rap e distribuição farta de slaps de baixo. Curiosamente, 20Ten não está a venda, não da maneira convencional pelo menos. Prince disponibilizou dois milhões e meio de cópias para serem vendidas com exclusividade na edição de 10 de Julho dos tablóides britânicos Daily Mirror e Daily Record, mais os belgas Het Nieuwsblad e De Gentenaar, além da edição alemã da Rolling Stone, que deve trazer encartado o álbum dia 22 de Julho. Além disso, Prince proibiu o Youtube e o iTunes de fazerem uso das canções do novo álbum. É Prince de volta à boa música e do alto de seu 1,60 mt, de novo peitando o establishment.
Nota: 8
Pra quem gosta de: Stevie Wonder, Terence Trent D'Arby, George Clinton, Earth, Wind & Fire
Links: Billboard, Discogs
"Walk In Sand":
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