domingo, 31 de janeiro de 2010

Fé cega, faca amolada




Paciência. É isso que você vai precisar, se estiver disposto a encarar "Tomorrow, In A Year", disco novo da dupla sueca The Knife. Lançado digitalmente dia 28 de Janeiro e agendado para venda física (CD duplo) em 01º de Março, a ousada obra é algo como uma ópera eletrônica (com libretto e tudo!) baseada no livro “A Origem das Espécies” de Charles Darwin e composta em parceria com a cantora inglesa Janine Rostron, mais o DJ americano Mt.Sims (Matt Sims), artistas performáticos/vanguarda e ambos residentes em Berlim. Esqueça o Knife dos engenhosos hits "Got 2 Let U" e "Heartbeats", porque o que temos aqui é uma hora e meia de ausência quase total de batidas - os beats só vão aparecer lá pela 12º música, a ritualesca "Colouring of Pigeons". É também nessa faixa que a abençoada voz de Karin Dreijer Andersson aparece pela primeira vez no álbum (como referência imediata, são dela os vocais na inesquecível "What Else Is There?" do Röyksopp). "Colouring of Pigeons" acaba sendo uma das músicas mais acessíveis do disco, apesar dos seus 11 minutos. O mesmo não dá pra dizer de "Variation of Birds", de título sugestivo e com seis minutos de distorções em altas frequências levadas ao limite da dor de ouvido. A palavra "experimental" te assusta? Então nem arrisque ouvir os latidos sintéticos de "Letter to Henslow", muito menos a faixa seguinte, "Schoal Swarm Orchestra", uma floresta impenetrável de ruídos ambientais reconstruídos pela tranqueira cibernética.




Passar uma hora escutando o disco (capa acima) deveria ser sugerido ao BOPE para fazer parte do seu rigoroso treinamento, então - vencida a etapa - a última meia hora é quase uma recompensa que começa com a já citada "Colouring of Pigeons" e emenda com a batida 4x4 e os teclados minimalistas de "Seeds" - dançável mas sem a menor chance de virar hit de pista. Ainda dignos de nota são os 12 épicos minutos da faixa-título, carregada de referências orientais e "The Height of Summer", a única música que poderia figurar em algum dos três álbuns anteriores do Knife. A audácia dos irmãos Karin e Olof Dreijer provavelmente vai colocar "Tomorrow, In A Year" em muitas listas de "Melhores de 2010" no fim do ano porque, reconheço, é um trabalho notadamente esmerado e de inegáveis pretensões artísticas. Acontece que minha escala "Einstürzende Neubauten" para experimentalismos sonoros bateu no vermelho com esse disco. Além do mais, acho ópera um saco.

Na página do Knife no MySpace dá pra ouvir algumas faixas do novo trabalho.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Como o vinho




Depois de 10 anos sem lançar material inédito, a anglo-nigeriana Helen Folasade Adu e sua banda estão de volta. "Soldier Of Love" foi para as rádios 08 de Dezembro, e disponibilizada para download dia 12 de Janeiro, nos Estados Unidos. No Reino Unido, a data marcada para o lançamento do single é 08 de Fevereiro; download e vinil, com a faixa "Flow" no lado B (uma segunda chance para a música que é do álbum anterior, "Lovers Rock" de 2000).

"Soldier Of Love" tem cadência marcial, rufos de caixa, arranjo preciso de cordas e os vocais de Sade em plena forma, aos 51 anos (recém completados semana passada):



"Flow" é tão boa quanto "Soldier Of Love". Aqui, uma levada de violão duela com a voz suave e levemente rouca de Sade:



A espera valeu a pena. Seja bem-vinda de volta, Miss Adu.

Très Amusant




Não é cedo pra dizer que Stromae pode ser um dos grudes do ano. O belgo-ruandês Paul Van Haver nasceu em 1985 em Bruxelas, Bélgica. Começou a se interessar por música aos 11 anos de idade e algum tempo depois, aos 18, Stromae ("maestro", ao contrário) juntou-se ao rapper J.E.D.I. para formar a dupla Suspicion, mas logo em seguida parte para a carreira solo. Paralelamente ao trabalho numa rede de fast-food e a escola de cinema, lança em 2007 o EP "Juste un Cerveau, un Flow, un Fond et un Mic…" com 4 faixas, e ainda compõe para outros artistas, como as quatro canções para o álbum "À L'Ombre du Show Business" do rapper francês Kery James, disco de ouro na França por mais de 75 mil cópias vendidas em 2008. Divulgando seu método de composição através de uma divertida série de vídeos chamada "Les Leçons de Stromae" (disponíveis no Youtube), finalmente em Dezembro do ano passado saem seus dois primeiros singles no iTunes: "Up Saw Liz" e "Alors on Danse".

"Up Saw Liz" é um electrofunk alicerçado por um paredão de synths, mais o rap desengonçado de Stromae:



Se alguém ainda lembra de hip-house, essa seria uma boa definição para "Alors On Danse". Com um sax incisivo e um ritmo house datado e chiclete, a diferença aqui é a maneira absolutamente relaxada e particular com que Stromae rapeia sobre o cotidiano sem nenhum glamour e de como alguns momentos pé na jaca podem fazer bem para o espírito.

O clip, dirigido por ele mesmo, é impagável:



Estourado na Bélgica, e com o primeiro álbum a caminho, Stromae é apontado como o principal nome belga com potencial para expandir território mundo afora. Ele canta, compõe, produz e dirige seus próprios vídeos. Tudo com muito sarcasmo e bom humor, que são sempre bem-vindos.


PS.: Agradecimentos à Franey Smith, por me apresentar esse artista!

sábado, 23 de janeiro de 2010

Club Classics, Vol. 1



Seria o paulista Guilherme Boratto o maior nome da atual música eletrônica made in Brazil? Provavelmente. Gui Boratto tem 35 anos e um currículo de respeito: arquiteto, produtor, músico, compositor e DJ (eleito ano passado o 98º do planeta, segunda a lista anual da revista inglesa DJ Mag). Já tem dois álbuns lançados, mais de 30 singles, produções e remixes para gente como Goldfrapp, Bomb The Bass, Moby e mais recentemente, Massive Attack. "Like You" (capa acima) é um single em vinil 12" que saiu em Maio de 2006 pela gravadora alemã Kompakt (Rex The Dog, GusGus e The Orb no cast), e é minha faixa preferida de Gui Boratto. Oito hipnóticos minutos de techno com inspiração house, vocais (da esposa de Boratto, Luciana Villanova) repetindo um mantra de duas estrofes e uma levada paquidérmica, que torna o ato "dançar" uma compulsão. Aí abaixo tem um vídeo de uma versão editada de "Like You":



O drum and bass que sampleia Jorge Ben e Toquinho de "LK (Carolina Carol Bela)" do também paulista DJ Marky (em parceria com o produtor XRS) foi o single de um artista brasileiro que chegou mais alto no paradão pop inglês (17º lugar em Julho de 2002), e é um trabalho igualmente sensacional. Mas "Like You", definitivamente, é a melhor dance track nacional que eu já ouvi na vida.



Aqui no player tem ela completa:

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

The Next Big Thing



Pelo barulho que a dupla inglesa Hurts fez com seu single "Wonderful Life" ano passado (ganhou inclusive um 12" com remixes de Arthur Baker), deve pesar sobre eles a pressão de confirmar as apostas que veículos como a rádio inglesa BBC fizeram. Em seu já tradicional exercício de futurologia de fim de ano, o "BBC Sound Of The Year" incluiu a dupla de Manchester como uma das coisas a se prestar atenção em 2010. A lista já deu algumas dentro, como o Keane em 2004, The Bravery em 2005, Corinne Bailey Rae em 2006 e Adele em 2008, então há alguma consistência aí.

Os exageros sobre "Wonderful Life" incluem a definição "novo Pet Shop Boys", mas mais fácil do que sair procurando comparações óbvias é entender que de fato o Hurts - Theo Hutchcraft (vocais) e Adam Anderson (guitarra e sintetizadores) - traz pra 2010 o formato de duo tecnopop clássico: o cantor teatral (olhares pro vazio, postura blasé) e o tecladista silencioso e eficiente. Acima de tudo isso, está "Wonderful Life", a canção: com produção dos experientes Trevor Horn e Martin Hannett, é épica, pegajosa e realmente promissora.

O vídeo P&B foi dirigido pelo chapa de Depeche Mode, U2, Smashing Pumpkins (e mais um monte de gente), Anton Corbijn:



Tudo muito bom, mas cabe ao Hurts provar que não é mais um one hit wonder.

Here, There and Everywhere

Depois de um breve recesso de um fim de ano de excessos (álcool, alguns quilos a mais e principalmente, depois de ouvir mais de um zilhão de coisas interessantes), cá estamos. 2010 começa pra mim mesmo no dia 03 de Fevereiro: os irlandeses do Cranberries se apresentam em Porto Alegre e o ingresso que você vê na minha mão ali na foto do meu perfil, caro leitor, é justamente pra esse show. Se achei estranho o fato do Cranberries voltar do limbo direto pra uma tour sem disco de inéditas (Dolores O'Riordan lançou o razoável "No Baggage" ano passado, então não conta), a pasmaceira se transformou rapidamente em alegria com a confirmação da presença da banda na capital gaúcha. Lá estarei.

A palavra-chave do blog para 2010 é "economia". Textos mais enxutos, visual mais clean (ainda que não definitivo). Ir direto ao ponto. E sem saudosismos bolorentos, dar uma olhada pra trás de vez em quando.

O primeiro vídeo de 2010, nada mais justo, é para "Animal Instinct", talvez a minha preferida do Cranberries e que - Deus queira - estará no set list do show.