Foi assim: eu tinha 15 pra 16 anos (entre 1990 e 1991) e comecei a cair na nait. A diversão num sábado a noite de cidade do interior era a discoteca: aqui, na prática, significava um salão que trazia equipes de som de cidades maiores pra fornecer luz e som pra molecada. E aquilo era um negócio amplamente democrático. Na pista, rolava desde ítalo-disco até hip-hop. Sem a menor preocupação com mixagens. Era absolutamente normal uma "Enter Sandman" do Metallica trombar com "No Coke" do Dr. Alban. O foco do DJ era agradar todo mundo. Não lembro exatamente do meu debut nessa pista de dança, mas sei que dali pra frente, meus parâmetros sobre música mudaram absurdamente. Eu era um guri que carregava pra todo lado minhas cópias em K7 de um Best Of do Orchestral Manoeuvres in the Dark e Violator do Depeche Mode, e não queria saber de mais nada. Mas por uma pressão natural de amigos, resolvi ver qual era a dessa festa. E então, quando vi a figura do DJ com o vinil na mão lá no fundo do salão, foi como Moisés abrindo o Mar Vermelho pra mim. E era um oceano de sons pra serem descobertos. A partir dali, acid house, rap, reggae, ítalo-disco e disco começaram finalmente a fazer sentido na minha cabeça. E sob um paredão de caixas de som, com aquele grave musculoso pressionando a caixa torácica, fui finalmente convertido à dance music.
A Dinamite é uma equipe de baile de Sampa. No comecinho dos 90, rolavam coletâneas em vinil com hits das pistas animadas por esse pessoal; basicamente funk, hip-hop e raggamufin. No volume III, assinado pelo DJ Cuca, somente faixas instrumentais. Cuca - capítulo à parte - começou a discotecar aos 14 anos. Aos 16, já produzia remixes e megamixes para rádios. Talento puro. Ganhou duas vezes o campeonato de DJs organizado pelo DMC aqui no Brasil, chegou em oitavo no mundial. Nada mal. Cuca seguiu produzindo e remixando - já desenhou grooves para gente como Lighthouse Family, Shaggy, Inner Circle, Toni Braxton, Lauryn Hill, Wyclef Jean, Shakira e All Saints. Nesse volume III, Cuca avisa na contra-capa: "Todas as músicas são de autoria do DJ Cuca, feito com computador, sampler, teclado e bateria eletrônica". Nem imagino a qual computador ele se refere no longínquo 1991. Gravado e mixado no Fantastic Voyage Studio - do próprio Cuca - o vinil tem oito montagens com bases e vocais sampleados de clássicos do funk e reggae. A mistura dá um belo caldo. O hit (cult) do álbum é o raggamuffin "Reggae Melody Part I". Bateria e baixo sampleados do clássico dancehall de 1988 "Telephone Love" (J.C. Lodge), e os vocais são uma salada que inclui El General e Cutty Ranks, e mais um monte de vozes que eu não conheço. Bom, fato é que todas as equipes de som, obrigatoriamente, tinham que tocar essa faixa. Porque a reação do público era algo que não se vê mais hoje em dia: gritaria. Me diz em que pista atualmente a comoção toma conta do ambiente por causa de uma música? Se você souber, me convide.
"Reggae Melody Part I": engavetando samples pra rachar o assoalho.
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