Em 1990 o pop baseado em sintetizadores era rotulado como technopop. Depois apareceram os termos synthpop, electropop e agora parece que o chillwave colocou todo mundo embaixo da asa. Bom, não importa. Em 1990 as coisas eram deliciosamente mais ingênuas. Tanto que o tecladista argentino Marcelo Donolo e o vocalista brasileiro Filippo Crosso - vislumbrando uma hipotética carreira internacional - escolheram os nomes artísticos Mark Rhiley e Phillip Ashley apostando num possível sucesso além fronteiras de sua recém formada banda, o Tek Noir. Ambições à parte, não foi bem isso que aconteceu. Pior: parte da crítica supostamente especializada da época foi impiedosa e simplesmente não deu chance para o Tek Noir respirar. Mesmo com espaço significativo na extinta revista Bizz em entrevistas, resenhas de shows e letras traduzidas, havia jornalistas que riam da nossa versão brasileira do formato clássico duo technopop. Lembro que o Camilo Rocha escreveu certa vez que um Information Society Cover brasileiro existia e já tinha até disco gravado: era o Tek Noir. Maldade. Até porque o Tek Noir nem tinha muito a ver com o grupo de Minneapolis, a não ser o fato de embasar sua música em sintetizadores, samplers e baterias eletrônicas - assim como o InSoc era chamado de "imitação do Depeche Mode" pela mesma revista, e nem era esse o caso. O Information era funky, tinha muito mais James Brown, Kraftwerk e Afrika Bambaataa nas veias do que new romantics brancos e europeus no seu som. A falta de referências (ou de informação) dava nisso. A curta carreira do Tek Noir durou dois discos, Alternative de 1990 e Destination de 1993, e depois disso, nunca mais ouvi falar da dupla Rhiley/Ashley. Alternative tem oito faixas e dois lados bem distintos: o primeiro mais pop e radiofônico, com canções notadamente influenciadas pela acid house ("Beat The Rhythm" e "One Way Or Another" ) e pela música sintética em voga na época (claramente Pet Shop Boys em "Drawings of Sorrow"). Já o lado B do vinil exercita a porção Noir da banda e abraça a EBM pesada de Front 242 e Nitzer Ebb (vocais agressivos, samples, ruídos industriais). O segundo álbum trilha o mesmo caminho. Embora um pouco menos inspirado do que a estréia, segue ainda com faixas bem estruturadas ("The Whole Of The World"), instrumental surpreendente pra uma banda eletrônica brasileira do comecinho dos 90 (a ótima "Falling In My Arms"), bons vocais e um tiquinho mais experimental (a climática instrumental "Twixt Land And Sea" ou a arrastada "Sensibility", por exemplo). Não sei realmente o que faltou pro Tek Noir deslanchar. Ambos os álbuns tem boas faixas, potencial para as FMs, imagem bem cuidada (a capa de Alternative foi fotografada por Bob Wolfenson), parecia estar tudo no lugar. Na época a dupla foi taxada como datada, mas em 2011 com esse tsunami retrô-moderninho, será que o Tek Noir teria alguma relevância?
"Beat The Rhythm": "move and house your body right".
"Falling In My Arms": hit de pista underground.
Guardada suas devidas proporções, logicamente, e para título de análise da imprensa, os irmãos Lumiere foram criticados por inventar algo sem relevância. O cinematografo, para a imprensa, era visto apenas como um objeto que auxiliaria para o estudo do movimento dos animais, por exemplo. No entanto, vimos (literalmente) no que o cinema se transformou. Naquele tempo, havia a possibilidade das primeiras opiniões serem "testadas" por outras correntes de pensamento: antíteses, digamos.
ResponderExcluirHá poucas décadas temos visto crescer uma geração de papagaios na imprensa e, pior, na nova e "muderrrna" sociedade. Há muita informação em diversos meios e isso criou o vício da apropriação de opiniões que, normalmente, são aquelas mitificadas por algum meio de comunicação. O hoje Sr. Camilo Rocha foi um caso. Tinha seu status na extinta revista e, depois da opinião terrivelmente escrita sobre a dupla, muitos passaram a apenas retransmitir. Papagaiar.
Concordo integralmente contigo, Carlinhos. Há anos, aliás, ouvimos essa dupla e nunca entendemos o motivo de tamanho insucesso. Analisando, agora, penso que foi um pouco disso que escrevi: Ninguém teve a capacidade de analisar profundamente naquele tempo.
Desculpe. Tu, Carlinhos, sempre fez isso.
Palmas pra ti, camarada, que mesmo diante de um turbilhão de informações, sempre assimila tudo, processa e expressa a tua própria análise.
Já tentou buscar estes dois cidadãos pela web?
Entrar m contato com eles poderia gerar um estudo interessante.
adorei o resgate....vou fuçar prá ver se acho...parabéns e concordo com tudo o que vc disse, inclusive sobre o information que lançou um álbum fenomenal em 2007, SYNTHESIZER
ResponderExcluirUm tempo atrás li em algum lugar que um dos dois - não lembro qual agora - estava nos EUA, mas não trabalhando com música. Além de biografias bem superficiais, não se encontra muita coisa sobre o Tek Noir na web. Recentemente eles começaram a aparecer em posts no Youtube, o que já é ótimo. Revival eu acho difícil, mas ainda acredito que em breve esses álbuns vão ser corretamente reavaliados. Com justiça, dessa vez.
ResponderExcluirAdorei este blog e principalmente tudo o que está escrito acima, uma banda maravilhosa e injustiçada.
ResponderExcluirTalvez o problema tenha sido a nossa época aqui no Brasil, mesmo tendo a nossa cena alternativa que rolava muita coisa, 89/90 a maioria não acreditava numa banda totalmente eletrônica brasileira, outro exemplo é o Harry, outro conceito, mas uma banda brasileira fazendo o que muitas faziam la fora.
Na Europa no inicio dos 80 muitas bandas eram criticadas e má vistas pelo público e principalmente para a mídia no inicio de suas carreiras, mostrando o seu trabalho em shows e programas de TV (depeche, human league, soft cell) pelo motivo do "novo", o público não conseguia entender a chegada dos samplers e synths, falavam que aquilo iria acabar com o rock.
Como na época eramos sempre atrasados, talvez a nossa "mídia" não estava esperando por este tipo de som. Apesar de que tínhamos jornalistas e DJs na época que falaram muito bem deles (Kid, Eneas Neto, Massari).
Critico é uma merda mesmo, lembro do André Barcinski uma vez fazer uma resenha do Front 242 na Bizz acabando com eles, mas sabemos que o cara não manja nada de música eletrônica e principalmente de um estilo (EBM) que estava desembarcando no Brasil.
Bom, vou fuçar mais aqui e ler bastante, você escreve muito bem, a leitura flui rápida e te prende de verdade.
Obrigado pelo blog e as informações. São pessoas igual a você que enchem a "web" de coisas boas e fazem a diferença.
>>>>> Music Non Stop >>>>
andre242
E são pessoas como tu, André, que me fazem tocar esse blog - que não tem absolutamente nenhuma outra finalidade senão compartilhar música que tenha alguma relevância. E o objetivo é esse: leitores afim de discutir, discordar, concordar, colocar as cartas na mesa. Em outras palavras, leitores qualificados, como tu, não só mais um número ali na janelinha de seguidores. Forte abraço, meu velho e Music Non Stop, sempre!
ResponderExcluirPS.: o recesso dura até Fevereiro, a partir dali, posts novinhos!