domingo, 23 de agosto de 2015

Diversidade Ainda Que Tardia


No começo do ano, o DJ e produtor Felix Da Housecat virou notícia no mundo todo. Não por causa de alguma track brilhante ou um disco fenomenal e sim porque foi barrado na porta do famoso clube Berghain, em Berlim. Um injuriado Felix Stallings, Jr. foi então pro Twitter expor toda sua mágoa com a casa, entre acusações de racismo e oportunismo (em relação a cena de Chicago e Detroit).


Baixada a poeira, Felix lançou em Julho seu sétimo álbum, Narrative Of Thee Blast Illusion (pela gravadora nova-iorquina NoShame), quatro anos depois do bom Son Of Analogue, que saiu encartado numa edição da revista inglesa Mixmag. Com pouquíssima exposição (se comparado com o episódio do clube alemão) e nadando contra a maré, Housecat continua desafiando o mercado. Não há um hit single detectável no novo álbum - algo que até é comum à sua discografia. Em compensação, há um Narrative apostando numa variedade eletrônica que inclui os habituais house e electro, mas com enxertos de synthpop, italo disco e até reggae. O blend, no entanto, não soa alienígena, nem exageradamente eclético. A coesão acontece justamente porque sua produção é contida, polida e sem excessos. A regra só não se aplica a "Turn Off The Television", um mergulho no lado camp dos anos 80 e seus sintetizadores na linha sobra-de-estúdio-do-Devo.



Fora essa escorregada, o que temos é uma ponte imaginária que mostra o produtor transitando com desenvoltura por Chicago, Londres, Milão e Kingston. Maquiando seus vocais tímidos com efeitos ou convidando gente como o desconhecido Amadeus (em "Why Games"), Lee Scratch Perry ("The Natural") ou a DJ argentina Romina Cohn (no diálogo erótico de "Queer"), Felix segue com a cabeça na dance analógica, que tanto pode ser encontrada em faixas como a house paleolítica de "Freakz On Time" (com seu baixo engrenado e arpejos em segundo plano), quanto na italo recriada com perfeição em "Is Everything OK?".






Cascatas de sintetizadores jorram em ambiências etéreas no ótimo R&B de FM "Codeine Cowboy", enquanto um technopop ligeiramente houseificado surge na voluptosa "Why Games", em mais duas composições que dispensam formalmente o compromisso com a música de pista.




No convincente dub "The Natural", Felix da Housecat convida o lendário produtor Lee "Scratch" Perry para dividir os vocais e mandar pro espaço uma profusão de ecos e efeitos, num justo reconhecimento a uma das figuras mais inovadoras e criativas já surgidas na música jamaicana.



Narrative Of Thee Blast Illusion condensa em pouco mais de 40 minutos gêneros um tanto distantes entre si, mas prova que eles podem comunicar-se sem cair no pastiche, soando com naturalidade e sem forçar a barra da homogeneidade pra parecer moderno e esperto. Acho que Felix espera que você perceba que não é nada desonesto gravar dub ou synthpop, mesmo não tendo essas origens. O que vale aqui é a ousadia e o talento de um produtor que vem a mais de vinte anos tentando nos convencer que nem só de singles vive a dance music.

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