O anúncio da Warp Records feito ano passado dando conta de que o novo álbum do Autechre não teria edição física, foi sintomático. elseq 1–5 (décimo segundo álbum da dupla) é uma obra divida em cinco partes, vinte e uma músicas e... mais de quatro horas de duração. Sou capaz de apostar que a icônica gravadora inglesa não vai resistir aos pedidos dos fãs mais xiitas e periga lançar isso em vinil numa caixa com dez unidades. Negócio é que a ausência dessa, de certa forma, "barreira", imposta pelos formatos CD e LP fez com que o Autechre expandisse ainda mais seus limites - ou qualquer outro termo que o valha, já que aparentemente, a única fronteira encontrável na sua música é o tempo, mesmo. No processo, há três autobahns com mais de vinte minutos e nenhuma delas é absolutamente indispensável. "elyc6 0nset", em seus espantosos vinte e sete minutos, vai ruminando ruídos e efeitos sob uma batida desconexa até os dez minutos quando, a partir daí, se transforma numa chuva de blips e sons mecânicos gerados - há de se supor - aleatoriamente. "eastre" é um tanto mais atraente (mesmo passando dos vinte e dois minutos) e me fez imaginar como soaria uma orquestra de câmara com cellos sintéticos e robôs executando pacientemente os movimentos. Já "mesh cinereaL" traz um entra-e-sai de zumbidos eletrônicos alternado-se em seus intermináveis vinte e quatro minutos. Com extensão mais praticável, "feed1", a faixa que abre o disco, foi também a primeira a ser divulgada (foi levada ao ar pela BBC Radio 6 alguns dias antes do lançamento do disco), mas não que isso signifique acessibilidade ou amenização: são vários níveis de distorção no talo e rajadas de estrondos metálicos que dão a tônica do que vem a seguir. elseq 1-5 não é pra ser ouvido de uma tacada só. Pode ser sorvido em doses homeopáticas, até porque ele não tem uma ordem crescente ou uma sequência lógica de início, meio e fim que faça sentido. São, aparentemente, jams gravadas em longos improvisos baseadas em sua turnê recente e editadas para o disco (há quem diga que o significado de "elseq" seja "edited live sequences"). Então, tanto faz começar pela bateria eletrônica que dita o ritmo cadenciado para os timbres alienígenas da quarta faixa ("pendulu hv moda") ou pelo sentimento de isolação causado pela imensidão glacial criada pelos sintetizadores em "oneum", a última do pacote. Criando uma hipotética sequência menos áspera, poderia-se iniciar pelo 4X4 complacente de "freulaeux" (uma composição que ficaria confortável no catálogo da Kompakt); pela quase easy listening eletrônica de "foldfree casual" (onde o duo faz questão de pulverizar os tons amenos dos synths com pequenas interferências e ataques de bateria a partir da metade da música, eliminando qualquer referência ambient) ou ainda pelo compasso ritualesco de "TBM2", bem distante da batida cambaleante de "chimer 1-5-1", de causar vertigem. elseq 1-5 é um álbum pra ser descoberto aos poucos. No geral, é um Blade Runner em forma de música: ruidoso, futurista e sombrio, em que só uma audição cuidadosa e - em boa parte de suas quatro horas - paciente, vai revelar que Rob Brown e Sean Booth continuam extremamente relevantes no universo dos grandes techno-autores da atualidade, esse grupo limitado que inclui gente como Aphex Twin, Squarepusher e μ-Ziq. Errando e acertando no disco - o que causa momentos que vão da aversão à empatia imediata, mas nunca a indiferença -, a dupla mostra que ousadia, ambição e a inexorável vontade de experimentar, levam a música do Autechre muito mais longe do que a restrição do errôneo rótulo IDM faz supor.
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Melhores de 2016 - Discos (#04: Autechre)
O anúncio da Warp Records feito ano passado dando conta de que o novo álbum do Autechre não teria edição física, foi sintomático. elseq 1–5 (décimo segundo álbum da dupla) é uma obra divida em cinco partes, vinte e uma músicas e... mais de quatro horas de duração. Sou capaz de apostar que a icônica gravadora inglesa não vai resistir aos pedidos dos fãs mais xiitas e periga lançar isso em vinil numa caixa com dez unidades. Negócio é que a ausência dessa, de certa forma, "barreira", imposta pelos formatos CD e LP fez com que o Autechre expandisse ainda mais seus limites - ou qualquer outro termo que o valha, já que aparentemente, a única fronteira encontrável na sua música é o tempo, mesmo. No processo, há três autobahns com mais de vinte minutos e nenhuma delas é absolutamente indispensável. "elyc6 0nset", em seus espantosos vinte e sete minutos, vai ruminando ruídos e efeitos sob uma batida desconexa até os dez minutos quando, a partir daí, se transforma numa chuva de blips e sons mecânicos gerados - há de se supor - aleatoriamente. "eastre" é um tanto mais atraente (mesmo passando dos vinte e dois minutos) e me fez imaginar como soaria uma orquestra de câmara com cellos sintéticos e robôs executando pacientemente os movimentos. Já "mesh cinereaL" traz um entra-e-sai de zumbidos eletrônicos alternado-se em seus intermináveis vinte e quatro minutos. Com extensão mais praticável, "feed1", a faixa que abre o disco, foi também a primeira a ser divulgada (foi levada ao ar pela BBC Radio 6 alguns dias antes do lançamento do disco), mas não que isso signifique acessibilidade ou amenização: são vários níveis de distorção no talo e rajadas de estrondos metálicos que dão a tônica do que vem a seguir. elseq 1-5 não é pra ser ouvido de uma tacada só. Pode ser sorvido em doses homeopáticas, até porque ele não tem uma ordem crescente ou uma sequência lógica de início, meio e fim que faça sentido. São, aparentemente, jams gravadas em longos improvisos baseadas em sua turnê recente e editadas para o disco (há quem diga que o significado de "elseq" seja "edited live sequences"). Então, tanto faz começar pela bateria eletrônica que dita o ritmo cadenciado para os timbres alienígenas da quarta faixa ("pendulu hv moda") ou pelo sentimento de isolação causado pela imensidão glacial criada pelos sintetizadores em "oneum", a última do pacote. Criando uma hipotética sequência menos áspera, poderia-se iniciar pelo 4X4 complacente de "freulaeux" (uma composição que ficaria confortável no catálogo da Kompakt); pela quase easy listening eletrônica de "foldfree casual" (onde o duo faz questão de pulverizar os tons amenos dos synths com pequenas interferências e ataques de bateria a partir da metade da música, eliminando qualquer referência ambient) ou ainda pelo compasso ritualesco de "TBM2", bem distante da batida cambaleante de "chimer 1-5-1", de causar vertigem. elseq 1-5 é um álbum pra ser descoberto aos poucos. No geral, é um Blade Runner em forma de música: ruidoso, futurista e sombrio, em que só uma audição cuidadosa e - em boa parte de suas quatro horas - paciente, vai revelar que Rob Brown e Sean Booth continuam extremamente relevantes no universo dos grandes techno-autores da atualidade, esse grupo limitado que inclui gente como Aphex Twin, Squarepusher e μ-Ziq. Errando e acertando no disco - o que causa momentos que vão da aversão à empatia imediata, mas nunca a indiferença -, a dupla mostra que ousadia, ambição e a inexorável vontade de experimentar, levam a música do Autechre muito mais longe do que a restrição do errôneo rótulo IDM faz supor.
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