domingo, 6 de setembro de 2015

Química Previsível


A culpa é, de certa forma, do próprio Chemical Brothers. Quando Ed Simons e Tom Rowlands conceberam a obra-prima Dig Your Own Hole (1997), eles certamente não poderiam prever que nada que viesse depois iria superar esse álbum. Substituir parte das baterias cruas do big beat enérgico que estourou o som da dupla mundo afora pelo technão 4X4 que tomou metade do trabalho seguinte Surrender (1999), foi não só uma correção de rota ou busca de novos limites pra sua música, mas também uma clara (e louvável) tentativa de fugir de estereótipos, autorreferências e comparações. A atitude deixou vários órfãos entre os fãs, arrebatou tantos outros (especialmente por causa do hit "Hey Boy Hey Girl") e foi muito bem recebida tanto pelo público quanto pela imprensa especializada. A marca indelével no som do grupo, porém, ficou bem definida e o que não dá pra ignorar é que a partir daí, cada vez que se fala em disco novo do duo, a gente já consegue prever - com bom índice de acertos - o que vem a seguir. O mix de rap, funk, house, psicodelismo e rock não pega ninguém de surpresa. E é aí que está o pecado (perdoável) dos Brothers, independente dos altos e baixos na sua discografia. Em compensação, penso não decepcionar nem quem os acompanha há algum tempo, nem quem está descobrindo a química dos irmãos postiços somente agora. O que vale, claro, é deixar-se levar pelas suas criações que muitas vezes desafiam classificações possíveis, num entra-e-sai de gêneros que fundem-se entre si até gerarem coisas como o big beat - que teve no debut Exile Planet Dust (1995), seu marco zero. Em seu oitavo álbum, Born In The Echoes, lançado mês passado, não é diferente.

 Como sempre, o disco traz cantores convidados e aqui a bola da vez é Annie Clark (St. Vincent). É fato que Rowlands e Simons tem essa certa predileção por artistas cool, mas não vi nada que fizesse diferença em sua participação tímida na gravação de "Under Neon Lights" - ao contrário de gente que já esteve nos créditos de seus álbuns, como Hope Sandoval e seus vocais particularíssimos, por exemplo - fora a impressão de que o fator "queridinha do momento" da musa indie ganha em relevância no que tange ao respeitável fole vocal de uma Beth Orton, outra colaboradora frequente da dupla.

Ali Love também se sai mal. O cantor britânico, que já tem uma faixa (a razoável "Do It Again", de 2009) com os Brothers no currículo, aparece messiânico e irreconhecível no techno "EML Ritual", o que tanto pode ser uma prova de versatilidade do vocalista quanto uma simples adequação à temática proposta (eles sabem o que estão fazendo, mas abrir mão do falsete agradável de Ali é subaproveitar seu potencial).

Já Q-Tip (do A Tribe Called Quest) casou muito bem sua excepcional qualidade de parecer rapear com um prendedor de roupas no nariz com a levada empolgante de "Go!", talvez a melhor música do disco (ele também se saiu magistralmente em outra colaboração com o duo, "Galvanize", de 2005), a despeito do vídeo tenebroso:

Uma das faixas mais legais é a que menos soa Chemical Brothers. A melancolia reluzente e a simplicidade eletrônica de "Wide Open" (com vocais de Beck) lembram um hipotético Hot Chip com um vocalista decente.


O que me dá um certo receio é perceber que eles precisam, eles fazem questão, de destruir boas ideias com alguma minúcia que pareça pretensamente artística. Tome o funk hipnótico de "Let Us Build a City" (incluída como uma das bonus tracks da Deluxe Edition), como exemplo. Precisava mesmo aqueles sintetizadores tocados com os cotovelos? Não sei se é uma estupidez jogar fora uma linha de baixo preciosa como essa com umas bobagens atonais com jeitão de improviso ou se é isso que faz seu som tão particular.


A esquisitice da simplesmente intragável "Taste Of Honey", é uma ode à chatice, mesmo. Trôpega e incômoda, dá pra clicar no botão skip sem a menor culpa. O mesmo vale para "I'll See You There", mais uma faixa inspirada em "Tomorrow Never Knows" (Beatles), assim como "Setting Sun" e "Let Forever Be". "Born in the Echoes" é um bom pedaço de rocktrônica do álbum e a psicodelia de "Radiate", cumpre a função habitual de desacelerar por instantes o andamento quase frenético dos seus discos.  

A remissão de Rowlands e Simons é um clichê surrado, mas válido: a falsa expectativa por material inédito produzido pela dupla é encoberta pela certeza de que os Brothers nunca embarcaram - mesmo - em nenhuma febre de pista qualquer pra se manter "atualizados" e não seria depois de sete discos que isso iria acontecer. Por outro lado, é covardia comparar Born In The Echoes com trabalhos anteriores. Mas é, também, inevitável. Enquanto produto dance/eletrônico, o álbum mantém-se corpos à frente da manada vigente. Tratando-se de um disco da dupla, o resultado desta vez é apenas mediano.

"Sometimes I Feel So Deserted": bleeps techno à exaustão.

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