Craig David é um cara esperto. E corajoso. Com pouco mais de dez anos de carreira, de gravadora nova desde outubro do ano passado e a fim de manter o alto número de cópias vendidas (foram mais de treze milhões até agora, contando quatro álbuns, uma coletânea e dezenove singles), o cantor inglês de R&B optou pelo caminho mais fácil: mergulhou no inesgotável catálogo da Motown e escolheu só o pão quente pra gravar um álbum de covers e versões de alguns dos maiores clássicos da gravadora de Berry Gordy. As covers incluem gemas como "Papa Was A Rolling Stone" (Temptations), "I Heard It Through The Grapevine" e "Mercy Mercy Me" (Marvin Gaye) e "Signed, Sealed, Delivered (I'm Yours)" de Stevie Wonder, que dá título ao disco com lançamento marcado pra 29 de Março no Reino Unido. David deve enfrentar uma onda de cara feia por parte dos puristas do gênero e é batata que vai ser chamado de aproveitador. Mas olha, ele canta bem. Tem um timbre de voz muito bom, tem suingue, e teve a manha de reconstruir "Stop, Look, Listen (To Your Heart)", originalmente uma canção do Stylistics de 1971, regravada por Marvin Gaye e Diana Ross em 1974. Em sua "All Alone Tonight (Stop, Look, Listen)", Craig emprestou apenas o refrão da versão original e grooveou a faixa com um sacolejo de entortar o cangote. E, narizes torcidos à parte, essa é a melhor faixa de "Signed Sealed Delivered".
No semi-playback de "All Alone Tonight" na performance abaixo, Craig David prova que não tem bom gosto somente na escolha do repertório. Com uma banda assim, quem liga se elas sabem tocar ou não?
Versão original do Stylistics:
Por Marvin Gaye e Diana Ross:
domingo, 28 de março de 2010
sábado, 27 de março de 2010
Perdidas no Planeta
Alguns artistas deveriam pensar com carinho se vale mesmo a pena lançar um álbum ou se seria melhor concentrar as boas idéias nos singles. Caso do Disco Biscuits, banda de rock com tiquezinhos eletrônicos da Filadélfia. Não é que "Planet Anthem", o disco que eles acabaram de soltar no mercado, seja tão ruim. Ele tem bons momentos. Dois, pra ser mais exato. A faixa de abertura "Loose Change", com seu riff preguiçoso de guitarra e seus vocais chapados no melhor jeito Shaun Ryder de ser, é um deles. O mix de guitarras com batucada dance da faixa funciona tão bem que depois de ouvir algumas vezes bate até uma saudade do The Farm. A outra canção digna de nota é a viciante "On Time". Aqui a levada de baixo vai serpenteando junto com a genial programação de bateria e os teclados vão subindo devagarinho na ponte pra um dos refrãos mais ganchudos que ouvi nos últimos tempos. E era isso. Se você ainda quiser pescar algo interessante, talvez encontre na climática (sem trocadilhos) "Rain Song" e no funk étnico de "Uber Glue", perdidas no meio das outras treze faixas. O que estraga o álbum são as tentativas disco-punk mal-sucedidas da trinca "You And I", "Sweatbox" e "Save Your Soul" e faixas completamente sem sal como "Fish Out Of Water" e "Big Wrecking Ball", rockzinhos sem a menor inspiração. As duas melhores faixas desse álbum já saíram no EP "On Time" do ano passado. É nele que se resume o que há de realmente bom em "Planet Anthem".
"On Time", The Disco Biscuits
"On Time", The Disco Biscuits
terça-feira, 23 de março de 2010
Clichês Inéditos
Se você procura motivos para acreditar que o bom pop triunfará um dia, o Paper Aeroplanes certamente vai reforçar seus argumentos. Depois de um mini-álbum e dois EPs sob o nome Halflight, a dupla galesa Sarah Howells (vocais) e Richard Llewellyn (guitarras) decidiu mudar de nome em Março do ano passado e debuta com "The Day We Ran Into The Sea". São 12 canções para órfãos de bandas como The Sundays, pop de levada acústica, lindas melodias e com os vocais que realmente fazem a diferença de Sarah Howells, uma dessas cantoras que aparece a cada 20 anos nas Ilhas. A canção candidata a hit aqui é a faixa de abertura do disco, a bela "Cliché"; um elo perdido entre "There She Goes" do The La's e Sixpence None The Richer.
Vídeo oficial de "Cliché":
Voz e violão:
Vídeo oficial de "Cliché":
Voz e violão:
quarta-feira, 17 de março de 2010
Die Loyale Kopie
Não será dessa vez que a dupla alemã De/Vision vai se livrar da incômoda comparação com o Depeche Mode. Pudera. Em "Popgefahr" (lançamento oficial em 19 de Março), Steffen Keth (vocais) e Thomas Adam (sintetizadores) entregam mais um álbum muito bem produzido, tecnopop impecável de timbres bem pensados e um certo darkismo melancólico que deve acertar em cheio os ouvidos dos admiradores do gênero. O problema é que o De/Vision parece não fazer questão de se livrar da sombra da matriz inglesa. Assista aqui o vídeo do primeiro single, "Rage", no canal da gravadora da banda no Youtube (Popgefahr Records) e perceba a semelhança da temática engraçadinha/cafageste com o clip de "It's No Good" do Depeche. A maneira como o refrão de "Rage" é cantado também gerou discussões entre os fãs das duas bandas: para os devotees (pró-Depeche), não passa de uma cópia de "Wrong", hit recente dos ingleses. Mas se você não leva muito a sério tudo isso nem se importa com noções como originalidade, aproveite o ótimo trabalho do tecladista Thomas Adam em "Be A Light To Yourself", a pegada pop de "Time To Be Alive" e o inegável apelo de "Rage". É o melhor carbono do gênero disponível no segundo escalão do mercado.
"Rage", De/Vision:
domingo, 14 de março de 2010
Xanadu
Alison Goldfrapp colocou paletó e gravata nos seus sintetizadores e agora soa como a Olivia Newton-John do século 21. Não que isso seja ruim, mas num mundo synthpop povoado por La Roux, Little Boots e Ladyhawke, periga seu novo álbum "Head First" (de belíssima capa) não causar metade do impacto que o impressionante debut "Felt Mountain" causou em 2000. Com produção do veterano Pascal Gabriel (que já trabalhou, veja só, com Little Boots e Ladyhawke) e do promissor Richard X, "Head First" é uma ótima coleção de canções pop eletrônicas, e tem pelo menos mais dois hits em potencial (além da já estourada "Rocket"): uma mais com cara de hit de pista remixável ("Believer") e outra uma pop song perfeita pro airplay das rádios ("Alive"). "Dreaming" é outra amostra de como o duo Alison/Will Gregory sabe quando apertar as teclas certas. Escorregadas são a faixa-título, uma baladinha tecnopop adocicada e "I Wanna Life", onde a coisa derrapa mesmo pro lado kitsch do pop oitentista. E nada me tira da cabeça que a faixa que encerra o álbum, "Voicething", foi amplamente inspirada no clássico eletrônico-abstrato "O Superman", single lançado em 1981 pela performática Laurie Anderson. Faz sentido.
"Rocket", primeiro single de "Head First":
"O Superman", de Laurie Anderson:
"Rocket", primeiro single de "Head First":
"O Superman", de Laurie Anderson:
Estroboscópicas no Horizonte
O U2 flerta com a música de pista desde o século passado. Começou com o remix de François Kevorkian para “New Year’s Day” em 1983 e tornou-se mais evidente com o 12” promocional “3D Dance Mixes” de 1988. A consolidação do interesse da banda na então emergente dance music ficou clara com o álbum “Achtung Baby”, de 1991: no riff psicótico de guitarra e as batidas hip-hop de “The Fly”, no baixo funkeado e a percussão de “Mysterious Ways” e no inesquecível remix de Paul Oakenfold e Steve Osborne para “Even Better Than The Real Thing”. Dali pra frente, remixes e colaborações com DJs e produtores do gênero tornariam-se cada vez mais frequentes na carreira dos irlandeses. Isso dito, é besteira achar que a decisão do U2 de jogar parte da carreira no liquidificador pela segunda vez em forma de compilação de remixes é algo oportunista, ainda mais se considerarmos que “Artificial Horizon” é uma edição limitada aos fãs membros do U2.com, portanto sem interesses comerciais (descontando o fato de que a assinatura anual do site custa 50 dólares). “Melon: Remixes For Propaganda”, de 1995, também foi feito com a intenção de presentear os seguidores mais xiitas de Paul Hewson filiados na época à extinta revista oficial do U2, a Propaganda (a revista deixou de ser publicada quando o fã-clube do U2 mudou-se para a web através do U2.com). Bom, não estou inscrito no site da banda, mas eu, você e a IFPI sabemos que o disco está por aí, então não custa pegar pra ouvir. “Artificial Horizon” é uma coleção bem irregular, combina três remixes inéditos, dois promos e o restante está espalhado pela discografia da banda, de 1997 até agora. A primeira faixa, “Elevation (Influx Mix )”, aproveita algumas idéias e o clima hindu times de “Mysterious Ways” e adiciona flautas, guitarras em reverso, tablas e cítaras oportunamente numa letra que diz “you make me feel like I can fly”. “Get On Your Boots” aparece em duas versões, a inédita “Fish Out Of Water Mix” e “Justice Remix”, esse mesmo que você pensou . As duas partiram do mesmo princípio: baixaram os impraticáveis 150 BPM originais para rotações mais lentas e sexy. Sexy boots. “Fish Out Of Water Mix” bota as baterias em primeiro plano na mixagem , já os franceses incorporam pianinhos e aqueles timbres derretidos de sintetizador. Nada muito espetacular, mas ambas são mais interessantes que a original. Trent Reznor concentrou-se mais nos delays de The Edge e na ótima linha de baixo de Adam Clayton para recriar “Vertigo” e teve o bom senso de eliminar o constrangedor “¡Uno, dos, tres, catorce!” da introdução. O alemão Frédérick "Fred" Falke transformou “Magnificent” numa house cafona daquelas de dançar com as mãos pro alto. Mesmo com o timbre superexposto de Bono Vox, é difícil não se emocionar com o refrão que grita “only love, only love can leave such a mark” potencializado pelo groove de Falke. “I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight (Live U2 360º Remix)” é um dispensável mix pinçado de alguma apresentação da banda na mastodôntica 360° Tour, com citações de “Relax” de Frankie Goes To Hollywood. “Beautiful Day” teve os vocais limados na visão pouco inspirada de David Holmes. “Staring At The Sun” também aparece duas vezes, num drum’n’bass confuso (“Monster Truck Remix”), e numa boa versão ambient pelo Brothers In Rhythm, captada ao vivo e enxertada com synths atmosféricos. “Happiness Is A Warm Gun” recebeu um tratamento doentio pelas mãos do produtor americano Danny Saber, e Bono até parece cambalear no refrão depois da cirurgia. O Hot Chip aperta algumas teclas de timbres fofinhos em “City Of Blinding Lights” num electro mais diluído que um Sonrizal numa piscina. O remix para “If God Will Send His Angels” (Grand Jury Mix) é um soporífero poderoso, não ouça. E “Fast Cars (Jacknife Lee Mix)” é um remix que... é um remix? Nem percebi. Metade dos remixes de “Artificial Horizon” são belos exemplos de boa visão pessoal sobre a obra alheia, e já que é um mimo oferecido pelo U2 aos seus fãs mais ardorosos, não há do que reclamar.
A que se saiu melhor da plástica em "Artificial Horizon" é "Magnificent", aqui na versão "Full Club Edit" feita pelo alemão Fred Falke:
A que se saiu melhor da plástica em "Artificial Horizon" é "Magnificent", aqui na versão "Full Club Edit" feita pelo alemão Fred Falke:
quarta-feira, 10 de março de 2010
Toque de Midas
É uma expectativa perigosa, mas ela existe. O Golden Filter lançou até agora três singles, e a julgar pela excelente música do duo electropop baseado em Nova York, o álbum programado pro mês que vem não deve decepcionar. Os vocais quase sussurrados pela australiana Penelope Trappes encaixam perfeitamente no trabalho exemplar de Stephen Hindman ao sintetizador: as bases são fortes e as programações de bateria, precisas. "Solid Gold", o primeiro single, foi produzido em Junho de 2008 mas lançado somente em Fevereiro do ano passado. A faixa acabou sendo licenciada para várias coletâneas, o que fez o interesse na música da dupla aumentar, e os trabalhos começarem a aparecer. Além de remixar artistas como Empire Of The Sun, Cut Copy, Little Boots e Peter Bjorn and John, o Golden Filter ainda abriu os shows da tour americana dos australianos do The Presets. Mais dois singles vieram: "Thunderbird" em Novembro do ano passado e "Hide Me", programado para Abril, mas já disponível em sites como o iTunes.
"Solid Gold", The Golden Filter
Melhorar o que já era bom não é pra qualquer um. Ouça a locomotiva tecno em que se transformou "Far Away" depois de passar pelo bisturi do Golden Filter:
"Solid Gold", The Golden Filter
Melhorar o que já era bom não é pra qualquer um. Ouça a locomotiva tecno em que se transformou "Far Away" depois de passar pelo bisturi do Golden Filter:
terça-feira, 9 de março de 2010
Eles Vão Invadir Sua Praia
"Plastic Beach", o novo do Gorillaz, saiu agora em Março e já lidera as vendas na loja virtual iTunes em 14 países, incluindo Austrália, Alemanha, Itália, França, Reino Unido e Estados Unidos. Merecidamente: o disco é ótimo e vai figurar fácil em muitas listas de melhores do ano. Damon Albarn e Jamie Hewlett - a dupla criadora da banda - conseguiu reunir um time inacreditável de colaboradores para o terceiro disco do projeto: os rappers Snoop Dogg, Mos Def mais o De La Soul, o lendário soulman Bobby Womack, Mark E. Smith do The Fall, Gruff Rhys do Super Furry Animals, Lou Reed (aquele), Mick Jones e Paul Simonon do Clash, os electrosuecos do Little Dragon, uma orquestra libanesa, um naipe de metais de Chicago (Hypnotic Brass Ensemble), uma sinfonia, um cachorro, um entregador de pizza e fecha a porta do estúdio que não cabe mais ninguém. O esforço valeu a pena: gravado num longo período entre Junho de 2008 e Novembro de 2009 (quem ainda dispensa tanto tempo na produção de um disco hoje em dia?), "Plastic Beach" é um discaço. Uma tour com hologramas chegou a ser planejada para 2010, mas diante dos altos custos de produção e dificuldades técnicas, a turnê foi cancelada. O Gorillaz, no entanto, será a principal atração na noite de encerramento do festival de Coachella dia 18 de Abril nos Estados Unidos. Aliás, dá uma olhada na escalação do Coachella pra esse ano aqui e divida comigo o sentimento de inferioridade terceiro-mundista que insiste em aparecer nesse tipo situação.
Damon Albarn (ou seu alter-ego 2D, vai saber), Bobby Womack e Mos Def dividem o ritmo engrenado de "Stylo", o primeiro single do álbum:
Damon Albarn (ou seu alter-ego 2D, vai saber), Bobby Womack e Mos Def dividem o ritmo engrenado de "Stylo", o primeiro single do álbum:
segunda-feira, 8 de março de 2010
Minimalistas
Música nova da dupla alemã Booka Shade: "Regenerate". A faixa está disponível para download gratuito no site oficial, basta deixar o e-mail e esperar a notificação. Com lançamento previsto para Abril na Alemanha e Maio no resto do mundo, "Regenerate" é uma amostra do que o álbum "More!" deve trazer: os ganchos de sintetizador muito bem pensados, graves redondinhos e a alta dançabilidade na house engendrada por Walter Merziger e Arno Kammermeier. "Regenerate" traz um misterioso canto orientalizante, influências dub, efeitos certeiros e garantia de pezinho em movimento a cada audição.
Se não quiser baixar, ouça aqui:
Luz no Fim do Túnel
Já faz tempo que Andy Cato e Tom Findlay do Groove Armada não precisam mais ser jogados no mesmo saco da farinha "dance music". Em mais uma amostra de talento e inventividade ("Black Light" é a sexta oportunidade que a dupla inglesa oferece para te convencer disso), o novo álbum tem um espírito roqueiro, mas emoldurado por sintetizadores. Isso fica bem claro em "Not Forgotten", com vocais do australiano Nick Littlemore (Pnau, Empire Of The Sun) onde os teclados à Fad Gadget poderiam facilmente ser substituídos por guitarras. O primeiro single, "I Won't Kneel", não faria feio num disco do Fleetwood Mac e mostra que o duo continua ligado em pop de boa cepa (olha a seleção deles pra série "Late Night Tales" e entenda porque). De olho nas pistas com o refrão pop e os sintetizadores pesados do segundo single "Paper Romance", o Groove Armada se supera mesmo na melhor faixa do disco: "Shameless", com vocais do Mr. Cool, Bryan Ferry. Se eu precisar te apresentar Bryan Ferry, por favor dirija-se ao canto superior direito desta página e clique no "X".
No player abaixo está a música do ano até agora: "Shameless", de Groove Armada & Bryan Ferry.
O Melhor Pedaço da Costela
Nada mal falar de um álbum chamado "Música para homens" no Dia Internacional da Mulher. Liderado pela grande (em todos os sentidos) vocalista Beth Ditto, o Gossip chegou ano passado ao seu quarto disco de material inédito. Produzido por Rick Rubin (dá uma olhada nas bandas que já passaram pelas mãos do cara aqui) e lançado em Junho, "Music For Men" já vendeu até agora mais de 400 mil cópias. Justíssimo, o disco é sensacional e pra mim é o melhor álbum de rock do ano passado: guitarras sujinhas, pinceladas de sintetizadores, linhas de baixo galopantes e os ótimos vocais de Ditto o credenciam à isso. Tudo muito dançante, nervoso, urgente... e pop. Muito digno de nota destacar a bateria de Hannah Blilie, a gracinha que estampa a capa do disco.
Assista a performance do Gossip para "Heavy Cross" (primeiro single extraído de "Music For Men") nos estúdios da BBC. Se isso não te convencer a correr atrás do disco, esqueça o Gossip pra sempre.
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