Eles pagavam de góticos, mas os gêmeos Michael e Jay Aston estavam mais
pra uma versão britânica do Poison. Banda de hits bem modestos, o Gene
Loves Jezebel tem em "Desire" - single lançado em Novembro de 1985 e relançado como "Desire (Come and Get It)" um ano depois - uma canção que merecia melhor sorte. Aqui foi hitaço de FM e, mundo afora, invadiu pistas de dança com uma versão Club Mix fraquinha. Prefira o original.
Não é cedo demais pra revisitar a french house? Se levarmos em consideração um ciclo de 20 anos, não. Ou seja, Daft Punk e Cassius no meio dos 90 chupando disco e funk setentista e agora em 2015 esse selo francês novinho em folha chamado Cerise Records, revivendo a vibe de gravadoras essenciais do gênero como Crydamoure e Roulé.
O debut da Cerise é esse EP aí acima. Lazy Summer (creditado a um ainda misterioso Mélonade) tem quatro faixas que são praticamente vinhetas - a mais longa, "Beach Stroll", tem pouco mais de quatro minutos e sampleia os metais de "Street Player", do Chicago (que o Bucketheads, de Kenny "Dope" Gonzalez, usou e estourou em "The Bomb! [These Sounds Fall Into My Mind]", de 1994).
Já "The Perfect Drink" é uma ideia tão simples que parece um edit de "Ring My Bell", clássico de Anita Ward: usa um loop da base, apenas reforçado por algumas baterias eletrônicas e diálogos enigmáticos.
"Nothing On TV" tem um sax incisivo (se é um sample, não reconheci), sirenes e compressão, enquanto "Lazy Summer (Promo Mix)" é um mashup das três músicas do EP.
Não sei se isso vai pegar, mas bem que poderia ao menos tirar uma fatia do mercado de música pra dançar da modorrenta EDM (sonhar não custa). Que esse negócio é muito mais divertido que todo catálogo da Ultra Music, é.
No começo do ano, o DJ e produtor Felix Da Housecat virou notícia no mundo todo. Não por causa de alguma track brilhante ou um disco fenomenal e sim porque foi barrado na porta do famoso clube Berghain, em Berlim. Um injuriado Felix Stallings, Jr. foi então pro Twitter expor toda sua mágoa com a casa, entre acusações de racismo e oportunismo (em relação a cena de Chicago e Detroit).
Baixada a poeira, Felix lançou em Julho seu sétimo álbum, Narrative Of Thee Blast Illusion (pela gravadora nova-iorquina NoShame), quatro anos depois do bom Son Of Analogue,
que saiu encartado numa edição da revista inglesa Mixmag. Com pouquíssima exposição (se comparado com o episódio do clube alemão) e nadando
contra a maré, Housecat continua desafiando o mercado. Não há um hit
single detectável no novo álbum - algo que até é comum à sua discografia. Em
compensação, há um Narrative apostando numa variedade
eletrônica que inclui os habituais house e electro, mas com enxertos de
synthpop, italo disco e até reggae. O blend, no entanto, não soa
alienígena, nem exageradamente eclético. A coesão acontece justamente
porque sua produção é contida, polida e sem excessos. A regra só não se
aplica a "Turn Off The Television", um mergulho no lado camp dos anos 80 e seus sintetizadores na linha sobra-de-estúdio-do-Devo.
Fora essa escorregada, o que temos é uma ponte imaginária que mostra o produtor transitando com desenvoltura por Chicago, Londres, Milão e Kingston. Maquiando seus vocais tímidos com efeitos ou convidando gente como o desconhecido Amadeus (em "Why Games"), Lee Scratch Perry ("The Natural") ou a DJ argentina Romina Cohn (no diálogo erótico de "Queer"), Felix segue com a cabeça na dance analógica, que tanto pode ser encontrada em faixas como a house paleolítica de "Freakz On Time" (com seu baixo engrenado e arpejos em segundo plano), quanto na italo recriada com perfeição em "Is Everything OK?".
Cascatas de sintetizadores jorram em ambiências etéreas no ótimo R&B de FM "Codeine Cowboy", enquanto um technopop ligeiramente houseificado surge na voluptosa "Why Games", em mais duas composições que dispensam formalmente o compromisso com a música de pista.
No convincente dub "The Natural", Felix da Housecat convida o lendário produtor Lee "Scratch" Perry para dividir os vocais e mandar pro espaço uma profusão de ecos e efeitos, num justo reconhecimento a uma das figuras mais inovadoras e criativas já surgidas na música jamaicana.
Narrative Of Thee Blast Illusion condensa em pouco mais de 40 minutos gêneros um tanto distantes entre si, mas prova que eles podem comunicar-se sem cair no pastiche, soando com naturalidade e sem forçar a barra da homogeneidade pra parecer moderno e esperto. Acho que Felix espera que você perceba que não é nada desonesto gravar dub ou synthpop, mesmo não tendo essas origens. O que vale aqui é a ousadia e o talento de um produtor que vem a mais de vinte anos tentando nos convencer que nem só de singles vive a dance music.
Ele estava certo, sobre tudo. Previu que suas maquininhas iriam acontecer com tudo, ignorou com tenacidade todos os críticos que riam da sua visão robótica do pop e, uma de suas predições mais assombrosas, disse (lá nos 70) que no futuro, todo mundo iria produzir sua própria música eletrônica, em casa. Bingo. Ralf Hütter é uma das figuras mais influentes da música em todos os tempos e seu legado com o Kraftwerk, hoje, é impossível de ser mensurado. Basta dar uma clicada em qualquer página que contenha alguma menção à música eletrônica e seus autores techno-anônimos e lá está um pedacinho de Ralf. Parabéns, Mestre. 69 anos de serviços inestimáveis prestados a Música.
Há pouca informação disponível sobre os canadenses do West Nile. Sua estreia "SSUFFIK8TRR" (“suffocator") saiu digitalmente dia 27 de Janeiro
via Bandcamp,
com a opção do pagamento voluntário de qualquer quantia ou download
grátis - esquema que a suposta dupla manteve nos três singles seguintes. Vale a pena ficar de olho, porque enquanto todo mundo fica superestimando o Chvrches - que está longe de ser isso tudo - o West Nile
continua, sem alarde, lançando um single mais legal que o outro.
Soltaram agora em Julho o quarto e mais recente, "Lotta PPL". Com tudo
redondinho, dos vocais doces ao instrumental descomplicado, o West Nile
vai montando o que deve ser um dos álbuns de synthpop mais legais do
ano. Anota aí: eles vão ser grandes.
Abaixo, uma minirretrospectiva dos quatro singles que a banda lançou, até agora.
"SSUFFIK8TRR": synthpop lânguido com um belo riff de sintetizador mais a voz macia da vocalista que, provavelmente, é a gracinha da foto abaixo.
"Turnt 2 Cult" / "Whaaat I Can Gett": um tiquinho mais pop e dançável, "Turnt 2 Cult" traz vocais deliciosamente sussurrados e sintetizadores tipicamente 80, enquanto que a funkeada "Whaaat I Can Gett" é um mix de italo disco e Prince.
"#1FNDR": meio indie meio épica, com pitadas de disco sintética à la Erasure circa 1987.
"LOTTA PPL": não me pergunte o que significam esses nomes todos. Concentre-se na admirável capacidade que o West Nile tem em fundir um pop aparentemente rasteiro - que não faria feio num disco da Debbie Gibson - com aqueles sintetizadores sorridentes que a gente ouvia nas trilhas dos filmes do John Hughes.
O U2 flerta com a música de pista desde o século passado. Começou com o
remix de François Kevorkian para “New Year’s Day”, em 1983 e tornou o relacionamento mais sério com o 12” promocional 3D Dance Mixes, de 1988. A
consolidação do interesse da banda na então emergente dance music ficou
clara com o álbum Achtung Baby, de 1991: no riff psicótico de guitarra
e nas batidas hip-hop de “The Fly”, no baixo funkeado e na percussão de
“Mysterious Ways” e no inesquecível remix de Paul Oakenfold e Steve
Osborne para “Even Better Than The Real Thing” (melhor que a versão original). Dali pra frente, remixes
e colaborações com DJs e produtores do gênero tornariam-se cada vez
mais frequentes na carreira dos irlandeses.
Com esse background todo, não deve ter sido com muita surpresa que os fãs receberam o single "Discothèque", lançado pela banda no comecinho de 1997. Produzida por Flood (New Order, Smashing Pumpkins, The Killers, Depeche Mode), a faixa não consegue sair do engarrafado entroncamento techno/rock alternativo e acho que essa indecisão desagradou os admiradores de ambos os gêneros. David Morales, Howie B e Steve Osborne tentaram readequar a canção para os clubes, mas os remixes não são dignos de nota. Acho que, no final das contas, não há remix que salve o hedonismo meio forçado de "Discothèque". Fora que aquela coreografia Village People é constrangedora.
Quando ouvi "What’s A Girl To Do", da tal Fatima Yamaha, logo pensei numa tecladista nipônica fissurada por sintetizadores vintage e Paul Hardcastle. Ledo engano. Yamaha é um dos pseudônimos usados pelo produtos holandês Bas Bron (ele também usa Bastian, Seymour Bits e Comtron). Mas o som é esse mesmo: algo entre house paleolítica e electro. O single What's A Girl To Do?, lançado mês passado (a faixa título está em A Girl Between Two Worlds EP, de 2004), é o quarto da curta discografia do projeto (iniciada em 2004), vem com quatro faixas instrumentais, dispensa formalmente o uso de samplers e exibe a bela coleção de teclados de Bron, com resultados interessantes no funk sintético "Between Worlds", no climinha trilha-de-ficção-científica-barata de "Half Moon Rising" e nos timbres amadeirados de "What's A Girl To Do". Os arpejos bocejantes de "Plum Jelly" são dispensáveis. Para os amantes de eletrônica retrô, ótima pedida. Se procura por novidades, fuja.
Figura de proa na house europeia, as produções do croata Mladen Solomun são épicas, detalhistas, mini sinfonias eletrônicas com um enredo que prende a atenção e se desenvolve sempre por volta de dez minutos. É um espetáculo para os ouvidos e para os pés. Solomun acabou de lançar single novo - Zora - com três faixas que respeitam os critérios acima. "Zora", "Fantazija" e "Nada" podem não ter o efeito devastador do monstro house lançado pelo DJ e produtor ano passado, "Friends", mas sua música continua muito competente. Não sei definir bem se isso pode levar o carimbo de progressive ou tech house, mas, na verdade, é um pouco de cada. Ou seja, house sublime.
Canadense de ascendência etíope, Abel Tesfaye apavorou os fãs de R&B com sua visão nublada do gênero
em nada menos do que três mixtapes lançados de forma totalmente
independente sob o pseudônimo The Weeknd, em 2011. Sucesso de crítica, o mainstream se abriu para o produtor, cantor e compositor um ano depois, quando ele remasterizou e compilou suas faixas em Trilogy: meio milhão de cópias vendidas nos Estados Unidos. Prolífico e criativo, Tesfaye lançou outro álbum de inéditas em 2013 (Kiss Land) e já tem mais de vinte singles na carreira, iniciada em 2010. Citando Michael Jackson e Prince como duas das suas principais influências, o single mais recente do The Weeknd, "Can't Feel My Face", foi lançado em Junho e já tem fantásticas 778,000 mil cópias contabilizadas no mercado americano. Produzida por Max Martin (ele de novo), a faixa tem um pouco de Jackson e Prince, mais um vernizão pop no melhor estilo Bruno Mars. Mas um groove como esse, Mars ainda não produziu.
O single mais recente do Vintage Culture (projeto do jovem DJ e produtor Lukas Ruiz) deixa bem claro que a dance brasileira já saiu da incubadora há tempos. "Eyes" saiu em Maio e mostra uma house com baixo potente, vocais sussurrados que explodem num refrão pop e enxertos de sintetizadores synthpop de boa cepa. Elementos bem amarrados que resultaram numa das faixas de dance music mais legais que ouvi sair deste país nos últimos tempos. Surpreendente.
Enquanto todo mundo fica superestimando o Chvrches - que está longe de ser isso tudo - a duplinha canadense West Nile continua, sem alarde, lançando um single mais legal que o outro. Soltaram agora em Julho o quarto e mais recente, "Lotta PPL". Com tudo redondinho, dos vocais doces ao instrumental descomplicado, o West Nile vai montando o que deve ser um dos álbuns de synthpop mais legais do ano.