terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Coverdose



Imagine a cena: você deitado numa rede na varanda de uma casinha a beira-mar, brisa suave, ondas quebrando, semi-sonolência. Que som estaria tocando? O verão é uma ótima desculpa pra escutar coisas que seus amigos modernos e descolados costumam torcer o nariz. Rock australiano dos 80 (GANGgajang, Hoodoo Gurus, Spy Vs. Spy), californianos de gosto duvidoso (Oingo Boingo, The Bangles, Smash Mouth) e reggae que os rastas mais ortodoxos amam odiar, como o UB40. Talvez a banda mais bem sucedida da história do gênero com mais de 70 milhões de cópias vendidas em mais de 30 anos de carreira, os ingleses de Birmingham são "acusados" de fazer reggae estritamente comercial, com o foco sempre direcionado aos lugares mais altos das paradas e de preferência apoiados em covers. Foi assim que a banda conseguiu a impressionante marca de 38 singles no Top 40 inglês, três deles no topo. E, adivinha? Três covers. "Red Red Wine" de 1983 (original de Neil Diamond), "I Got You Babe" de 1985, com Chrissie Hynde dos Pretenders duelando com o vocalista Ali Campbell (a dupla Sonny & Cher foi a responsável pela primeira gravação, de 1965) e "Can't Help Falling in Love" de 1993 (a versão anterior mais famosa cabe a Elvis Presley). OK, mas e daí? O UB40 tem seus méritos. Embora o reconhecimento da crítica pela qualidade do material esteja no começo da carreira da banda e a atenção do público depois disso, o consenso é de que ao menos discursos demagógicos vazios e clichês do tipo "Babilônia em chamas" não costumam encher a nossa paciência nos discos do grupo.



Corta pra 2010: Ali Campbell, o competente vocalista do UB40 pegou o boné e caiu fora em 2008 e agora cabe ao seu irmão mais velho, Duncan Campbell, assumir a nada fácil tarefa de substituí-lo no primeiro álbum da banda pós-Ali, o recém lançado "Labour Of Love IV", mais um volume da série iniciada em 1983 e composta por covers de canções originalmente lançadas por ídolos musicais do grupo. Duncan talvez não tenha o mesmo carisma, mas tem um timbre de voz muito parecido com o de seu irmão, então não deve ser problema. A parte instrumental também é OK, cozinha no lugar, metais polidos. Obviamente que esse é um projeto de altos e baixos, e no crime-mor do processo a banda reduz a pó o clássico soul "Tracks Of My Tears" de Smokey Robinson, com direito a auto-tune e tudo. A parte bacana está em faixas como "Holiday", obscuro rocksteady (o reggae pré-Bob Marley) de The Paragons. É do Paragons também a faixa "Man Next Door", a melhor de "Labour Of Love IV". Também retrabalhada pelo Massive Attack no álbum "Mezzanine" (com vocais do rasta Horace Andy), "Man Next Door" ganhou do UB40 um baixo que as suas caixinhas de som do computador não vão conseguir reproduzir, então não adianta falar muito a respeito. Dá pra dizer que os vocais vão pro espaço sideral aos três minutos e daí pra frente ela vira um dub com todos os ecos que o gênero pede. Se dizem que o reggae inglês é o único capaz de fazer frente ao da matriz jamaicana, o UB40 é minha banda favorita do estilo. Sem pregações, sem plantinha medicinal.

"Holiday":




"Man Next Door":

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Monozigóticas



Se eu te recomendasse um álbum de uma dupla de cantoras chamada The Watson Twins, qual seria sua reação? Resposta provável: desconfiança. E depois de olhar uma foto das duas, então? Sem ouvir o suposto álbum, dava pra chutar que se trata de uma dupla country dos cafundós das florestas do Kentucky. Bom, Chandra e Leigh Watson nasceram em Louisville, Kentucky. São realmente gêmeas idênticas (como evidencia o nome) e dando uma olhada nas fotos, dá a impressão que elas saíram de um filme de David Lynch. Já se chamaram Black Swan, mas mudaram a partir de seu álbum de estréia ("Southern Manners", de 2006). Alguém tratou de rotular o som das moças de alt country, então teoricamente elas dividiriam a prateleira de CDs com nomes cultuados do country alternativo como Ryan Adams, Calexico e Wilco.



O álbum "Talking To You, Talking To Me" sai agora em Fevereiro, e pode acabar com a sua desconfiança, principalmente porque o disco vai quilômetros além do country/folk. Em "Modern Man", a faixa de abertura, já dá pra começar a entender porque: caixa e chimbal acelerados, baixo com vida própria e vocais que vão da sutileza à potência em menos de 5 segundos. A sequência com "Harpeth River" tem andamento cadenciado de bateria e é carregada de uma dramaticidade que pode agradar em cheio os fãs do trip-hop de bandas como Portishead e Sneaker Pimps. O clima de bar escuro e enfumaçado continua com a encantadora sutileza jazzística de "Forever Me" e o blues "Midnight", com seus dois arrepiantes minutos de solo de órgão Hammond B3 (que aparece memoravelmente também em "Devil In You"). Elas ainda cantam como um girl group sessentista no pop docinho de "Tell Me Why" ou como se fossem uma versão feminina de Roy Orbison em "U-N-Me". Para produzir "Talking To You, Talking To Me", as gêmeas juntaram-se a Russell Pollard e Soda J. da banda californiana Everest e depois de se isolar em uma cabana em Sierra Nevada por quatro dias em Junho de 2009, finalizaram as demos que viriam a ser gravadas na Fairfax Recordings de Los Angeles, na mesma mesa de mixagem de "The Wall" do Pink Floyd. As referências são boas, a música é ótima, então estamos diante de uma das promessas do ano, ou o quê?

Ouça "Modern Man" aqui no player: