terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#01: Trentemøller)


"Eu simplesmente amo a ideia de que você pode construir este mundo imaginário com música. Para mim, a música é ficção. Não é apenas algo que existe separadamente da realidade. A ficção é a realidade irreal. Ambos se pertencem e são um só. Eu acho que a ficção e a música podem ser usadas para confrontar e criticar a realidade, mas também para escapar dessa mesma realidade. E essa é a beleza disso."

Assim o produtor dinamarquês Anders Trentemøller definiu Fixion, quarto álbum de sua carreira iniciada há pouco mais de dez anos com o impressionante debut The Last Resort, de 2006. Se na sua estreia Trentemøller já exibia uma paleta de cores granulado-escurecidas espalhadas pelo seu downtempo minimal, em Fixion a monocromia toma conta das telas. O darkismo à que o autor submete suas composições revela um elo perdido entre Faith, do The Cure (1981) e o último álbum do Röyksopp, The Inevitable End, de 2014 (que a cantora Robyn sentenciou como "triste, mas não frio"). Fixion, porém, é tudo isso. Triste, frio, nublado, denso. Ondas geladas de sintetizadores castigam canções como a abertura "One Eye Open" (emoldurando os ótimos vocais da também dinamarquesa Marie Fisker); andando lado a lado com os tons menores da guitarra em "Never Fade" e finalmente surgindo ameaçadores na angustiante "Sinus". No ótimo single "River In Me" (com vocais de Jehnny Beth, do Savages), baixo e bateriam duelam entre si enquanto os teclados aparecem mais discretos com um riff de sopro encaixando-se na melodia, mas o estado de ansiedade criado pelos synths volta com força na faixa seguinte, a lúgubre "Phoenicia". O clima de isolamento, intenso e pessoal, ronda a maioria do disco e atinge níveis de beleza e encantamento sublimes, em faixas como a instrumental e hipnótica "November" e a etérea "Where The Shadows Fall". A sufocante "Spinning" (mais uma vez com vocais de Marie Fisker - que sugerem uma Elizabeth Fraser nórdica) aumenta a sensação de afastamento; resultado duplicado pela percussão eletrônica lenta e ritualesca e a profusão de timbres de tonalidade cinzenta dos sintetizadores - os mesmos que acompanham Jehnny Beth no pós-punk "Complicated", sua última aparição no álbum.

Fixion é um disco de eletrônica visceral aparentemente menos complexo musicalmente que seus lançamentos anteriores, mas que, por outro lado, facilitam a vida de Trentemøller no palco - e isso tem se mostrado extremamente positivo em sua turnê recente, com shows lotados pela Europa - em que reproduzir o rock gótico imaginado e concebido pelo produtor no álbum torna-se uma tarefa menos árdua e mais natural. Fixion, o disco e a tour, são vencedores. E evidenciam que Trentemøller, entregue sem medo à experimentação e simultaneamente ao tino pop, é um dos grandes músicos/produtores da atualidade. 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Sexta Feira Bagaceira: Righeira


Stefano Rota e Stefano Righi montaram o Righeira em 1981 em Turim, Itália. Estouraram em 1983 com o single "Vamos A La Playa" e tiveram seu segundo grande hit internacional um ano depois com "No Tengo Dinero". Italianos que cantam em espanhol? Vai entender. Sei que quando, à época, assisti o vídeo de "No Tengo Dinero" no Fantástico, fiquei de queixo caído. Que imagens eram aquelas? Um negócio meio Tron, fusão de desenho animado e computação gráfica (em 1984? Sei não...). Sei que aquelas cores berrantes e os movimentos exagerados da dupla me seduziram. E a música, nem se fala. Ítalo-disco popíssima, com refrão repetido à exaustão e uma pilha de sintetizadores bem ao gosto do som mais ouvido na época: o technopop.
"No Tengo Dinero": vídeo futurista.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Sexta Feira Bagaceira: Duran Duran



"All She Wants Is" é a tentativa dos camaleônicos durannies ingressarem no então emergente mundo da house music. A faixa de 1988, presente no álbum Big Thing, não chega a ser ruim: é puxada por uma batida electro entre hi-hats sibilantes e guitarrinhas funky - algo pop demais pro Haçienda e ao mesmo tempo, um tanto esquisita pra manter a frequência nos mais altos lugares das paradas a que o Duran Duran estava acostumado com seus singles. Agora, desastrosos mesmos são os remixes nada inspirados feitos por um craque desse campinho, Shep Pettibone. Sua "US Master Mix" ficou algo bem próximo ao trabalho não muito original de Paul Jason Robb (Information Society) e a "Euro House Mix", com sua caixa saltitante e teclados xinfrim, parece coisa de Stock, Aitken & Waterman. Na dúvida, fique com o original. 
"All She Wants Is": house durannie.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#02: Mayer Hawthorne)


Mayer Hawthorne tinha tudo pra se transformar no Calvin Harris versão ianque. Os primeiros passos foram semelhantes: estreia promissora, revisionismo, respeito da crítica, atenção do público e a consequente e inevitável aproximação do mainstream. Harris converteu-se num artista dance ordinário, grava com figurões do establishment da música, ganha milhões e coleciona McLarens. Hawthorne continuou destilando seu soul de boa cepa em pequenos selos (à exceção de seu segundo álbum, How Do You Do, que saiu pela Universal) e quase caiu em tentação quando aproximou-se perigosamente do rapper de ladainha fraca Pitbull, em 2013 ("Do It"). Felizmente, ao que parece, Andrew Mayer Cohen optou pelo que realmente importa nessa história toda: fazer boa música. Ele possivelmente perdeu público com a escolha, mas acertou pela preferência, porque esse hipotético consumidor de pop rasteiro que coleciona hits no celular tem uma volatilidade totalmente dispensável pra um artista que pensa em seguir carreira fazendo algo relevante. Seu álbum mais recente, Man About Town (2016, Vagrant Records) é mais uma coleção irrepreensível de soul pop sem bolor, sem o ranço "neo-alguma-coisa", excepcionalmente bem produzido (o produtor e DJ belga Vito de Luca - do projeto Aeroplane - e o ótimo Benny Sings estão entre os nomes por trás da mesa de som do estúdio) e, mais importante, é delicioso de ouvir. São 10 faixas em pouco mais de meia hora; nada descartável, nada fora do lugar. Longe de ser um disco saudosista, Man About Town aponta para várias direções, entre R'n'Bs sedutores com instrumental cuidadoso e backings maravilhosos ("Cosmic Love", "Book of Broken Hearts"), sacolejos estilosos ("Lingerie & Candlewax", "Love Like That"), blue eyed soul à Hall & Oates ("The Valley"), disco/boogie ("Out of Pocket"), baladas soul viscerais ("Breakfast in Bed", "Get You Back") e até um reggae respeitável ("Fancy Clothes"). Com esse álbum, Mayer Hawthorne merecia bem mais que o modesto nonagésimo lugar que alcançou no paradão da Billboard. Questão é que imagino que ele esteja feliz, mesmo assim. Senão pelos resultados comerciais, pela satisfação pessoal de não se dobrar pra indústria em troca de uns tostões, por garantir assim longevidade artística e por continuar fazendo música que coloca um sorriso no rosto de quem se interessa pelo seu incrível trabalho (e não é pouca gente). São trinta minutos de prazer garantido no disco mais equilibrado da carreira de Hawthorne.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#03: Mahmundi)


Quando o primeiro EP do Mahmundi (Efeito das Cores, 2012) pipocou na rede, ouvi uma e outra faixa e achei que não era aquilo que ia fazer com que eu voltasse a ter fé no combalido pop brasileiro atual. Pro meu gosto à época, tinha um cheiro forte de hipsterismo chillwave vindo das seis faixas: oitentista demais, teclados demais, despretensioso demais, Toro Y Moi demais. Decidi que eu não precisava de um outro Silva em potencial - já que nem ele tinha me convencido ainda que seus discos dariam em alguma coisa. Corta pra 2016: numa navegação aleatória (em Novembro), vi que o primeiro disco do projeto veio à tona. Como o que eu conhecia do som tinha uma base eletrônica forte (o que me agrada), resolvi arriscar. Baixei, ouvi. Não acreditei. Ouvi de novo. E de novo. Passei pelos 43 minutos de Mahmundi (Stereomono/Skol Music) umas quatro vezes na colada, naquele dia. E fiquei pensando na minha falta de paciência com Efeito das Cores. Bem feito pra mim: Mahmundi saiu em Maio e eu cheguei cinco meses atrasado. O que a carioca Marcela Vale oferece em seu debut foi feito na medida pra quem, como eu, sonha que algum dia a boa música pop triunfará de novo por aqui. Compositora, produtora, multi-instrumentista, esperta, estudiosa, e muito, mas muito talentosa, Marcela soltou um disco inteiro (são dez faixas) com canções acessíveis, cantaroláveis, redondinhas, recheadas de uma eletrônica contida, mas exuberante na escolha dos timbres e precisa na execução e sem deixar de lado as boas letras já percebidas nos dois primeiros EPs. Metade das músicas foi pinçada dos EPs e remasterizada, o que garantiu que a fantástica "Desaguar", por exemplo, ganhasse uma polida no instrumental, fazendo com que o timbre de guitarra do riff principal soe com o dobro da potência original e os vocais, entoados com todo tesão que essa faixa merece: é disparado o melhor refrão que ouvi no pop nacional nos últimos anos. A ótima "Calor do Amor" (outra de Efeito das Cores) também foi envernizada deixando a linha de baixo mais elástica e os sintetizadores e baterias eletrônicas mais limpos - mas sem qualquer resquício de pasteurização que pudesse tirar a força dos ataques. Das novas faixas, "Hit" sugere justamente o que o título diz em outro riff brilhante de sintetizador, dinâmica de reggae, uma letra com duas estrofes e - pasme - sem refrão. Há ainda o R&B estilizado de "Wild", programações espertas de bateria ("Meu Amor"), momentos mais contemplativos (e não menos apaixonados, sem resvalar na pieguice) como "Sentimento" e "Quase Sempre" e - surpresa - no meio de todo aparato eletrônico, Marcela despe-se até sobrarem somente as guitarras da linda "Leve". O melhor disco pop nacional em anos.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#04: Autechre)


O anúncio da Warp Records feito ano passado dando conta de que o novo álbum do Autechre não teria edição física, foi sintomático. elseq 1–5 (décimo segundo álbum da dupla) é uma obra divida em cinco partes, vinte e uma músicas e... mais de quatro horas de duração. Sou capaz de apostar que a icônica gravadora inglesa não vai resistir aos pedidos dos fãs mais xiitas e periga lançar isso em vinil numa caixa com dez unidades. Negócio é que a ausência dessa, de certa forma, "barreira", imposta pelos formatos CD e LP fez com que o Autechre expandisse ainda mais seus limites - ou qualquer outro termo que o valha, já que aparentemente, a única fronteira encontrável na sua música é o tempo, mesmo. No processo, há três autobahns com mais de vinte minutos e nenhuma delas é absolutamente indispensável. "elyc6 0nset", em seus espantosos vinte e sete minutos, vai ruminando ruídos e efeitos sob uma batida desconexa até os dez minutos quando, a partir daí, se transforma numa chuva de blips e sons mecânicos gerados - há de se supor - aleatoriamente. "eastre" é um tanto mais atraente (mesmo passando dos vinte e dois minutos) e me fez imaginar como soaria uma orquestra de câmara com cellos sintéticos e robôs executando pacientemente os movimentos. Já "mesh cinereaL" traz um entra-e-sai de zumbidos eletrônicos alternado-se em seus intermináveis vinte e quatro minutos. Com extensão mais praticável, "feed1", a faixa que abre o disco, foi também a primeira a ser divulgada (foi levada ao ar pela BBC Radio 6 alguns dias antes do lançamento do disco), mas não que isso signifique acessibilidade ou amenização: são vários níveis de distorção no talo e rajadas de estrondos metálicos que dão a tônica do que vem a seguir. elseq 1-5 não é pra ser ouvido de uma tacada só. Pode ser sorvido em doses homeopáticas, até porque ele não tem uma ordem crescente ou uma sequência lógica de início, meio e fim que faça sentido. São, aparentemente, jams gravadas em longos improvisos baseadas em sua turnê recente e editadas para o disco (há quem diga que o significado de "elseq" seja "edited live sequences"). Então, tanto faz começar pela bateria eletrônica que dita o ritmo cadenciado para os timbres alienígenas da quarta faixa ("pendulu hv moda") ou pelo sentimento de isolação causado pela imensidão glacial criada pelos sintetizadores em "oneum", a última do pacote. Criando uma hipotética sequência menos áspera, poderia-se iniciar pelo 4X4 complacente de "freulaeux" (uma composição que ficaria confortável no catálogo da Kompakt); pela quase easy listening eletrônica de "foldfree casual" (onde o duo faz questão de pulverizar os tons amenos dos synths com pequenas interferências e ataques de bateria a partir da metade da música, eliminando qualquer referência ambient) ou ainda pelo compasso ritualesco de "TBM2", bem distante da batida cambaleante de "chimer 1-5-1", de causar vertigem. elseq 1-5 é um álbum pra ser descoberto aos poucos. No geral, é um Blade Runner em forma de música: ruidoso, futurista e sombrio, em que só uma audição cuidadosa e - em boa parte de suas quatro horas - paciente, vai revelar que Rob Brown e Sean Booth continuam extremamente relevantes no universo dos grandes techno-autores da atualidade, esse grupo limitado que inclui gente como Aphex Twin, Squarepusher e μ-Ziq. Errando e acertando no disco - o que causa momentos que vão da aversão à empatia imediata, mas nunca a indiferença -, a dupla mostra que ousadia, ambição e a inexorável vontade de experimentar, levam a música do Autechre muito mais longe do que a restrição do errôneo rótulo IDM faz supor. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Sexta Feira Bagaceira: Barbra Streisand


 Lançado em Maio de 1981, "Promises" é o quarto single extraído de Guilty - álbum um tanto meloso que trouxe o megahit "Woman In Love" e que marcou a parceria entre Streisand e um certo Barry GibbDisco tardia mas sublime, "Promises" foi composta pelos gênios pop Barry e Robin Gibb. Tem um instrumental irrepreensível - metais e sintetizadores num casamento perfeito - vocais de apoio inconfundíveis e Streisand alcançando notas beeeem altas e afinadíssimas. Hit democrático de AM, FM e pista de dança, "Promises" periga ser cafona demais pra entrar em algum Best Of da era disco, mas a produção redondinha de Gibb e o apelo pop/discoteca da canção a credenciam como hit eterno. Pelo menos no meu Technics.

"Promises": quem liga pra permanente dela com uma voz dessas?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#05: Robbie Williams)


O pop é o patinho feio de listas tipo "Melhores do Ano". Ah sim, recentemente teve a Taylor Swift que há dois anos (pra mim, inexplicavelmente) arrebatou a crítica com seu 1989. E tem a Beyoncé, que faz seduzir publicações com álbuns em que ela costuma exaltar o quanto é inteligente e esperta de duas em duas estrofes. Mas isso é meio fora da curva, porque esse pessoal designado para decodificar a música alheia costuma habitualmente optar por discos que tenham o carimbo "Grande Arte" estampado na capa. Eu desconfio sempre. Não lembro de ter visto The Heavy Entertainment Show, décimo primeiro álbum (já?) de Robbie Williams, em alguma seleção desta espécie. Não que o britânico esteja preocupado com isso, imagino. Mas fico pensando nos porquês. Produzido por um batalhão de gente (sete colaboradores, incluindo o frequente parceiro Guy Chambers e Stuart Price), o disco é, sem dúvida, o melhor de Robbie em anos. Atira em vários alvos com índice de acertos bem alto: na Deluxe Edition, o trabalho reúne 16 faixas e é diverso e bom o bastante para garantir mais de uma hora de diversão (ou entretenimento, bem claro) sem cair na monotonia. Os exemplos são muitos. A gaiatice de "Party Like a Russian" esconde uma produção esmerada; com sample de música clássica cirurgicamente colocado entre as estrofes, um coro que parece entoado pelo próprio exército russo e uma sacaneada light em Vladimir Putin. "Motherfucker" é um rockão que poderia facilmente ter sido composto por Noel Gallagher, "Bruce Lee" parece ter saído de algum Roxy Music da primeira metade dos 70, o climão glitter/decadente da malemolente "Hotel Crazy" (dividida com Rufus Wainwright), o arranjo Broadway do soul "Sensational", o pop radiofônico de "Sensitive", "When You Know" e do hit "Love My Life"... e isso é só metade do disco. Williams é o típico cínico alto astral que o pop precisa. Galhofeiro, piadista, canastrão bem intencionado. Mas ele espera que você perceba isso sem precisar se desmanchar em autoelogios em álbuns como esse Heavy Entertainment Show, uma coleção pop irrepreensível.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Sexta Feira Bagaceira: Shana


Shana Petrone deve ter sido alvo fácil de piadas rasteiras por conta da escolha de seu nome artístico - aqui no Brasil, obviamente. A artista americana tinha só 17 anos quando seu single "I Want You" (de 1989) alcançou o Top 40 da Billboard e ganhou boa rotação nas danceterias. Seu álbum (também I Want You) ainda teve outro hit mediano ("You Can't Get Away", produzida pelo craque do freestyle, Lewis Martineé) e mais alguns sucessos de pista ("Falling Slowly" e "Best Part Of Breaking Up"), embora minha preferida do disco seja a fantástica "I'd Do Anything For Your Love" (não raro me perguntam, quando toco, se isso é Madonna). Depois desse começo promissor, Shana sumiu do mapa e ressurgiu como cantora country, no final dos anos 90. E devo acrescentar que, aos 44 anos, Ms. Petrone continua muito gata

"I'd Do Anything For Your Love":

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#06: Pantha du Prince)


Quatro anos depois do arrojado Elements of Light - álbum que é uma espécie de sinfonia eletroacústica de uma peça só, gravado com o grupo de percussão norueguês The Bell Laboratory - o produtor alemão Hendrik Weber a.k.a. Pantha du Prince retorna com mais um trabalho que impressiona. Classificar The Triad (lançado pela célebre Rough Trade) simplesmente como techno minimal é deveras simplório. Na maioria das dez faixas há o 4x4 de BPM moderado como esqueleto, mas o que Weber desenvolve por cima disso vai muito além de um rótulo caracterizado pelo uso mínimo de elementos de composição. Não precisa mais do que ouvir a chuva de cristais sintéticos espalhando-se por faixas como "Lichterschmaus" e "You What? Euphoria!", vocalizes angelicais ("The Winter Hymn"), riffs precisos de sintetizador ("Frau Im Mond, Sterne Laufen"), basslines robustos impulsionando uma variedade deslumbrante de sons e efeitos ("Chasing Vapour Trails") e canções eficientes em sua rigidez geométrica de beats e programações eletrônicas ("Dream Yourself Awake", "Lions Love"), pra entender que este disco está à quilômetros de distância de um simples álbum de dance music. Pantha du Prince consegue - como poucos hoje em dia - unir elementos de forma tão harmoniosa e precisa, que fica difícil distinguir em sua música onde exatamente entram os componentes orgânicos e onde saem os sintéticos. The Triad tem um teor extremamente particular e profundo, que faz com que a tecnologia empregada soe de forma incrivelmente natural (e até visceral), incorporando-se perfeitamente ao ambiente - seja ele uma pista de dança ou a solidão-conforto da sua sala de estar.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Melhores de 2016 - Discos (#07: Anohni)


A última coisa de Antony Hegarty que eu prestei atenção foi "Blind" (2008), fantástica canção disco/house do projeto dance do DJ americano Andy Butler, Hercules and Love Affair - a quem Hegarty emprestou sua voz. Nesse meio tempo, passei batido por dois álbuns do Antony and the Johnsons, banda titular do cantor, que nunca me chamou muito a atenção (a despeito de eu reconhecer seu excelente trabalho vocal). Em 2015, Antony anunciou seu novo alter ego artístico Anohni, já com álbum programado para o ano seguinte. Hopelessness foi lançado em Maio do ano passado, com produção do próprio Anohni, mais o prodígio escocês Hudson Mohawke e o produtor americano Daniel Lopatin a.k.a. Oneohtrix Point Never. Hopelessness não é um disco fácil. Eletrônico e experimental, o disco é composto por canções de andamento lento com letras amarguradas, carregadas de frustração e dor ("Fui dormir, na esperança de poder enganar a minha própria vida, me retirar deste mundo solitário, pudera eu girar e girar no teu amor", diz "I Don't Love You Anymore"). Em Hopelessness, Hegarty parece ter encontrado seus parceiros ideais: as construções de Lopatin e Mohawke por vezes soam grandiosas, mas não grandiloquentes ("Watch Me"), por vezes adequadamente enxutas e minimalistas ("Violent Men"). Excepcionalmente bem produzido e com aproximações à uma distância segura do pop ("Drone Bomb Me", "Crisis"), Hopelessness é dolorosamente bonito, com um cantor de voz ímpar, emparelhado ao que de melhor a eletrônica pode oferecer atualmente, no sentido de ser musicalmente ousado, mas longe, porém, da arte abstrata estabelecida em terreno árido de nomes incompreensivelmente incensados no universo dos techno autores.