sábado, 29 de outubro de 2011

Sheik Your Body


Abraham Orellana é um nome pra se prestar atenção. Mergulhado no mundo dos beats desde 2006, o jovem produtor americano estreou em Junho desse ano com seu Electronic Dream - um título de gosto suspeito, mas com conteúdo pra desfazer qualquer sobrancelha levantada em sinal de desconfiança.


O seu exército de batidas de um homem só atende pelo nome de AraabMUSIK e o instrumento de trabalho está nas fotos acima: o Akai MPC, misto de sampler com bateria eletrônica programável. Com ele, Orellana cria linhas de chimbau que passam na velocidade da luz por cima de bumbos e caixas de ritmos irregulares que lembram um dubstep sem subgrave. O que é curioso na música do AraabMUSIK é a influência do trance, no bom e no mau sentido. Quando erra, Orellana se sai com umas coisas dignas de figurar na trilha do Caldeirão do Huck - como em "Lift Off" e seu riff de sintetizador que é algo rave-nas-areias-de-Camboriú, e que ainda sampleia a farofíssima "Castles In The Sky" de Ian van Dahl. Outros momentos desagradáveis do disco estão no timbre irritante do teclado de "Free Spirit" (também, com esse nome não poderia ser coisa boa) e na definitivamente descontrolada "Underground Stream". Fora esses deslizes, as faixas surpreendem especialmente porque os vocais em todo o álbum são um sonho, eles levitam sobre as batidas como se estivessem reverberando dentro de uma catedral. "Feelin So Hood" (com sample de "So High" do Starchaser) e "Golden Touch" (inspirada no hino "Right In The Night" de Jam & Spoon) são exemplos recomendáveis para entender que a fusão trance/hip-hop não dá besteira nas mãos do AraabMUSIK. Orellana aponta suas baterias pro hip-hop, mas produziu um álbum quase ambient que causa uma sensação de pasmaceira e fascinação diante de vozes delicadas duelando com beats chapados, teclados esparços e samples improváveis de artistas dance mainstream como Jam & Spoon, Kaskade e OceanLab. Será que já inventaram o rótulo trance-hop?
  
"Feelin So Hood": levando o hip-hop para outro plano.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Verde, Amarelo, Azul e Branco


Em 1990 o pop baseado em sintetizadores era rotulado como technopop. Depois apareceram os termos synthpop, electropop e agora parece que o chillwave colocou todo mundo embaixo da asa. Bom, não importa. Em 1990 as coisas eram deliciosamente mais ingênuas. Tanto que o tecladista argentino Marcelo Donolo e o vocalista brasileiro Filippo Crosso - vislumbrando uma hipotética carreira internacional - escolheram os nomes artísticos Mark Rhiley e Phillip Ashley apostando num possível sucesso além fronteiras de sua recém formada banda, o Tek Noir. Ambições à parte, não foi bem isso que aconteceu. Pior: parte da crítica supostamente especializada da época foi impiedosa e simplesmente não deu chance para o Tek Noir respirar. Mesmo com espaço significativo na extinta revista Bizz em entrevistas, resenhas de shows e letras traduzidas, havia jornalistas que riam da nossa versão brasileira do formato clássico duo technopop. Lembro que o Camilo Rocha escreveu certa vez que um Information Society Cover brasileiro existia e já tinha até disco gravado: era o Tek Noir. Maldade. Até porque o Tek Noir nem tinha muito a ver com o grupo de Minneapolis, a não ser o fato de embasar sua música em sintetizadores, samplers e baterias eletrônicas - assim como o InSoc era chamado de "imitação do Depeche Mode" pela mesma revista, e nem era esse o caso. O Information era funky, tinha muito mais James Brown, Kraftwerk e Afrika Bambaataa nas veias do que new romantics brancos e europeus no seu som. A falta de referências (ou de informação) dava nisso. A curta carreira do Tek Noir durou dois discos, Alternative de 1990 e Destination de 1993, e depois disso, nunca mais ouvi falar da dupla Rhiley/Ashley. Alternative tem oito faixas e dois lados bem distintos: o primeiro mais pop e radiofônico, com canções notadamente influenciadas pela acid house ("Beat The Rhythm" e "One Way Or Another" ) e pela música sintética em voga na época (claramente Pet Shop Boys em "Drawings of Sorrow"). Já o lado B do vinil exercita a porção Noir da banda e abraça a EBM pesada de Front 242 e Nitzer Ebb (vocais agressivos, samples, ruídos industriais). O segundo álbum trilha o mesmo caminho. Embora um pouco menos inspirado do que a estréia, segue ainda com faixas bem estruturadas ("The Whole Of The World"), instrumental surpreendente pra uma banda eletrônica brasileira do comecinho dos 90 (a ótima "Falling In My Arms"), bons vocais e um tiquinho mais experimental (a climática instrumental "Twixt Land And Sea" ou a arrastada "Sensibility", por exemplo). Não sei realmente o que faltou pro Tek Noir deslanchar. Ambos os álbuns tem boas faixas, potencial para as FMs, imagem bem cuidada (a capa de Alternative foi fotografada por Bob Wolfenson), parecia estar tudo no lugar. Na época a dupla foi taxada como datada, mas em 2011 com esse tsunami retrô-moderninho, será que o Tek Noir teria alguma relevância?


"Beat The Rhythm": "move and house your body right".



"Falling In My Arms": hit de pista underground.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Electro Bebop


Olha só que coisa fina essa faixa do DJ e produtor alemão Sebastian Weiss, o Sepalot. "Rainbows" saiu em Agosto e é na verdade uma versão atualizada para "Thinkin' It Over", hit de 1968 do cantor americano Del Shannon. Sepalot acertou a mão com esse instrumental mezzo eletrônico mezzo jazz, mas continuo me perguntando onde é que ele arrumou esses vocais maravilhosos e impregnados de soul. Dica do chapa Cris Antunes.

"Rainbows": classuda até a medula.



domingo, 23 de outubro de 2011

Neon Lights


O mexicano Alan Palomo se deu ao luxo de ir pra Finlândia gravar em quatro semanas na geladeira chamada Helsinki seu mais recente álbum como Neon Indian, Era Extraña (lançado em Setembro).


Eleito muso chillwave em sua estréia de 2009 (Psychic Chasms) pela intelligentsia musical nos quatro cantos do planeta, Palomo retorna com um álbum que substitui os samplers do trabalho anterior por texturas sintéticas distorcidas e climão de eletrônica lo-fi, estranhamente nostálgica (no sentido desconfortável da palavra). Toro Y Moi já abandonou esse barco em favor de beats mais safados e maior clareza na produção no seu último EP, e acertou na mosca. Já o Neon Indian fica encoberto pela própria sombra projetada a partir de Era Extraña: entre canções extremamente simplórias como o single "Polish Girl", rocks chapados ("Hex Girlfriend", "The Blindside Kiss") e trips lisérgicas baseadas em execuções contínuas das notas de um mesmo acorde ("Future Sick"), o disco cansa na primeira audição - um pouco por culpa desses vocais extenuados por filtros do início ao fim do álbum. O principal defeito do disco, no entanto, é algo que me parece vir da presunção de Palomo em fazer música do jeito que os seus parcos 23 anos lhe dão na telha, amparado por gente que levantou o polegar pra tudo que ele já fez até agora. Mas ele já fez algo que realmente te instigasse? Comigo ainda não aconteceu.

"Polish Girl": como (tentar) fazer um riff de sintetizador funcionar na marra.




A Drummer Called Boris


Alguma dúvida que o francês Boris Peter Bransby Williams foi o melhor baterista que passou pelo The Cure? Presente na banda de 1984 até 1993, Williams imprimiu um padrão rítmico no som do grupo inglês facilmente identificável, aproveitando-se da tecnologia para extrair efeitos certeiros de baterias eletrônicas e samplers, tanto no estúdio quanto ao vivo.



Esta versão de "Play For Today" foi extraída do vídeo The Cure in Orange gravado na França em 1986 e lançado um ano depois. Capta a banda no auge da forma e talvez com seu melhor line-up: Robert Smith, Simon Gallup, Porl Thompson, Boris Williams e Lol Tolhurst. Aqui, a performance de Williams impressiona. Com a precisão de um metrônomo ele conduz caixa, bumbo, chimbau e ainda encontra espaço para golpear o pad da bateria eletrônica e os pratos de ataque - praticamente um polvo do pós-punk. Perfeição.  

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Numanóide


Que tal o Gary Numan versão 2011? Aos 53 anos, Gary Anthony James Webb (ou o vovô do pop tecnológico) deu um tapa na peruca e lançou Dead Son Rising em Setembro, cinco anos após seu último álbum.


Os cabelos podem não estar iguais aos de 1979, quando Numan mandava aquele olhar pro infinito no vídeo da clássica "Cars", mas a voz continua a mesma. O disco pega pesado em timbres grandiloqüentes de sintetizadores e guitarras com padrão Megadeth de distorção ("When The Sky Bleeds, He Will Come"), traz a habitual temática sci-fi em "Dead Sun Rising" e desnuda Numan ao piano com a gélida "Not The Love We Dream Of". O cantor mergulha fundo num experimentalismo orientalizante em "We Are The Lost" regida por uma batida ritualista e vocais assustadores, mas cai de quatro sob um violão monocórdico e synths deformados na gótica "For The Rest Of My Life". "The Fall" teve minha simpatia instantânea com sua bateria espancada, refrão messiânico e levada dançante. Percebendo aí um hit de pista em potencial, a faixa ganhou um vinil com três remixes na Super Deluxe Edition do disco. Bom trabalho, Sir Numan.

"The Fall": ator canastrão, cantor exímio.




quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cruzes


Você não caiu nessa de witch house, né? Esse suposto gênero musical que combina house music com temática ocultista foi uma piada que o Pitchfork Media popularizou um tempo atrás e considerar isso uma nova subdivisão na música é tão engraçado quanto o nome de algumas bandas da "cena": Gvcci Hvcci, BL§§D ØU†, GuMMy†Be▲R!, oOoOO.  


O Crosses não tem nada a ver com essa onda, embora tenha recebido essa tag por aí. Talvez por culpa das três cruzes adotadas como símbolo do projeto ou do clima soturno das composições. Chino Moreno (vocalista do Deftones) mais Shaun Lopez e Scott Chuck reuniram-se no meio do ano e o primeiro EP auto-intitulado já saiu. Nas cinco faixas temos batidas programadas em baixa rotação, guitarras altas ("Option)", sintetizadores sombrios ("Cross") e o geralmente nervoso Chino Moreno domando a voz nas estrofes para explodir em refrãos grandiosos como o da excelente "This is a Trick" (que tem participação de Duff McKagan no baixo). O trio disponibilizou o EP gratuitamente, e pra quem se dispõe a pagar cinco dólares, o download vem em alta qualidade de áudio. Vale.

"†his Is A †rick": fixação pela figura geométrica.




domingo, 16 de outubro de 2011

Moda Permanente


"Fazemos música para o quarto, para a sala de estar. Se for tocada nas discotecas, ótimo. Mas nunca chegamos a entender isso."

Palavras de Andrew Fletcher, numa entrevista para a finada revista Bizz em 1989. O mesmo Fletch que exercita seu lado DJ mundo afora hoje em dia. Bom, o Depeche sempre se deu bem em pistas de dança. Desde seu primeiro sucesso de fato (o terceiro compacto, "Just Can't Get Enough" de 1981) até o single inédito mais recente ("Fragile Tension"/"Hole to Feed" de 2009), os ingleses tem essa espécie de comprometimento com as danceterias. E tome versões dançáveis para coisas nada rebolativas. "Stripped" (um dos muitos clássicos da banda) por exemplo, quando lançado nos Estados Unidos em 1986, foi um fracasso. Foi preciso que um 12" com remixes fosse colocado no mercado americano para satisfazer o apetite dos clubbers e de parte dos fãs que viam no Depeche Mode uma banda que não ia muito além do pop eletrônico sacolejante (extremamente bem feito, diga-se).


Depois do bem sucedido Remixes 81-04 de 2004 (há rumores que essa compilação vendeu mais de um milhão de cópias), o trio lança uma segunda edição de parte de seus hits em versões recauchutadas. Claro que o aspecto financeiro é importante, mas ao mesmo tempo a banda respira e provavelmente pode trabalhar em material novo com um pouco mais de calma. Óbvio que existem bons, maus e péssimos momentos no disco triplo (!). Começando pelas mancadas, devo dizer que a pior coisa aqui é a versão do Digitalism para "Never Let Me Down Again": o duo alemão transformou a faixa de 1987 num monstro techno sem personalidade, distorcida, bizarra e sem a menor graça. O folk sinistro do SixToes para "Peace" também não ajuda, por que a própria música talvez seja uma das coisas mais medonhas que o Depeche já fez. "Personal Jesus" vem em três versões: uma mais house farofa que ficou a cara da Britney Spears feita pelo time de produtores noruegueses Stargate, uma mais barulhenta pelo britânico Alex Metric e outra mais climática pelo engenheiro de som e produtor Sie Medway-Smith com um solo de cello bem interessante. "In Chains" na visão do ex-integrante da banda, Alan Wilder, é tão soporífera quanto seus trabalhos com o projeto solo Recoil. Já outro ex-Depeche, Vince Clarke, se saiu OK com sua "Behind The Wheel": não mexeu muito na estrutura da canção e adicionou um baixo elástico que resultou numa levada mais amigável aos quadris, mas não conseguiu acertar a mão em "Freestate", encharcada com blips eletrônicos num clima quase industrial. Mark Stewart e seu Claro Intelecto transformou a dramática "Leave In Silence" numa experiência IDM cheia de cliques, estalos e sons aquosos, com um resultado ambient. Há a parcela de remixes feitos apenas para adequar a música às danceterias, como o deep house "Dream On (Bushwacka Tough Guy Mix)", o bom trabalho do dinamarquês Trentemøller em "Wrong", a inesquecível "Strangelove" retrabalhada pelos craques Tim Simenon (Bomb The Bass) e Mark Saunders e a ótima "A Pain That I'm Used To" de Stuart Price (aqui na pele de Jacques Lu Cont). Um dos melhores momentos de Remixes 2: 81–11 é protagonizado pelos suecos Christian Karlsson e Pontus Winnberg do Miike Snow, na sua versão psicótica de "Tora! Tora! Tora!". Tenho a impressão que a dupla colocou David Gahan num pau de arara enquanto aplicava choques elétricos no saco do vocalista, de tão apavorantes que ficaram esses vocais. A faixa teve reforçado o clima electro-opressivo do original de 1981 - tensão pura e um trabalho magistral. Agora, de fazer cair o queixo mesmo nessa coletânea, só o Röyksopp e sua "Puppets" (extraída do álbum de estréia, Speak & Spell). Os noruegueses literalmente tiraram a faixa de contexto colocando pausas e alterações de tom nos vocais de Dave Gahan, que parece cantar outra música. Onde haviam sintetizadores pesados, o Röyksopp suavizou tudo com timbres mais brandos e a batida marcial da TR-808 foi substituída por um ritmo percussivo sincopado. Um trabalho exemplar. No fim das contas, fica provado que nem só as discotecas citadas por Fletcher são o alvo dos remixes. A sala de estar e o quarto também são ambientes recomendados para ouvir as faixas que o Depeche Mode escolhe para jogar no liquidificador.

"Puppets" na versão do Röyksopp: é assim que se faz.




quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ladrões de Casaca


Qual é o habitat do Thievery Corporation em 2011? Coletâneas chill out? DJ sets? Apresentações em mini-festivais alternativos? Provavelmente, um pouco de cada. E pra reforçar o repertório, mais um álbum espetacular.


Culture Of Fear saiu no final de Junho e mantém o padrão estratosférico das produções da dupla americana Eric Hilton e Rob Garza. O mix de reggae, lounge music e acid jazz continua tão elegante neste sexto álbum da dupla quanto os ternos bem alinhados que eles vestem. A diversidade dos convidados que participam do disco reflete diretamente no som: são sete vocalistas e dez músicos explorando as possibilidades dos encontros musicais do primeiro com o terceiro mundo, capitaneados pela produção impecável de Hilton e Garza. Encaixar Culture Of Fear num rótulo é impossível - embora o álbum esteja mais ligado ao dub do que nunca: há uma profusão de ecos, efeitos, burburinhos à Lee Perry (ouça o trip-hop "Is It Over?") e baixos absurdos por todo o disco. De todas as vozes que aparecem nas treze faixas, a que mais me instigou foi a da californiana Lou Lou Ghelichkhani. Ela aparece doce e quase sussurrando entre paisagens desenhadas por pianos elétricos e percussão na onírica "Where It All Starts", cantando numa língua incompreensível conduzida pela escaleta de Jeff Franca na bossa espacial "Safar (The Journey)" e imersa no groove sexy e lento de "Take My Soul". Orgânico e visceral, eletrônico e sofisticado: seja qual for a sua praia, Culture Of Fear é um disco pra sonhar de olhos bem abertos.

"Is It Over?": uma trip a ser conferida no discaço do Thievery Corporation.



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Living On Video


Campinho complicado esse do indie dance, hm? Todo ano aparece uma lista telefônica de nomes do gênero, surgem singles geniais, mas quando chega a hora de apresentar um álbum... 


O VHS Or Beta existe desde 1997 e vai nadando contra a maré. Lançou seu primeiro disco em 2004 e até agora não apresentou nenhuma canção memorável. Em compensação, seus trabalhos ganham cada vez mais confiabilidade e Diamonds and Death (lançado em Setembro) já é o terceiro da carreira da banda do Kentucky. O conjunto da obra é o que vale a pena aqui, porque é um álbum muito agradável de ouvir e - surpresa - dançável. Sem invencionices, o VHS Or Beta trabalha bem com sintetizadores, tanto que as guitarras ficaram em segundo plano: só dá pra perceber o som delas com mais clareza no meio da batida hip-house de "Everybody". Apesar dos vocais de Craig Pfunder não serem lá grande coisa, há momentos em que eles funcionam direitinho quando multiplicados na mesa de som e mixados com os pianos house de "I Found A Reason" (que estranhamente me lembrou "Heaven Knows" do When In Rome). A ótima "All Summer In A Day" com um potente baixo disco saiu como single em Maio do ano passado e é provavelmente a música mais forte de Diamonds and Death. Se você passou batido por esse belo pedaço de rock houseificado em 2010, aí está sua segunda chance.

"All Summer In A Day": segunda vinda.

domingo, 9 de outubro de 2011

Com o Taco na Mão


Se nos anos 80 o uso do sampler aumentava na mesma velocidade que sua tecnologia de armazenagem, processamento e edição de sons crescia, nos 90 o instrumento transformou-se numa arma letal na mão de músicos e produtores. De repente, qualquer um podia ter um grito do James Brown, um baixo do Bootsy Collins ou uma bateria do Led Zepellin na sua música. Discos sensacionais surgiram a partir desses brinquedinhos: de DJ Shadow à Daft Punk, os exemplos são muitos. 



O grande barato da música feita pela dupla Tiger & Woods (ou Larry e David) é o uso absolutamente inventivo do sampler dentro de um gênero em que essa ferramenta foi transformada numa saída fácil para gente sem talento. Em outras palavras, quero dizer que não tenho a mínima idéia de onde esses caras tiraram os vocais e trechos instrumentais transformados em loops infinitos nas dez faixas do álbum Through The Green, lançado no meio do ano. Coisas como aquela voz que parece dizer "ring my bell" com o pitch acelerado em "Don't Hesitate", os violinos com efeito bumerangue de "Time" ou o som doce da flauta de bambú em "Love In Cambodgia". Acredito que fuçando com tenacidade, pode até ser possível saber de onde eles emprestaram essas amostras, mas aí talvez a sensação fosse a de um Mister M revelando como o David Copperfield conseguia se desvencilhar daquelas camisas de força, ou seja, ia perder a graça. Melhor é aproveitar o talento desse duo de origem desconhecida em montar grooves macios e ao mesmo tempo robustos e em picotar e reagrupar sons pra fazer sua música soar como um elo perdido entre a Hi-NRG e a house music neanderthalóide do meio dos 80, como em "Curb My Heart" (essa com vocais de uma tal de 'Em) ou na sexy "Gin Nation", que dá uma bela chupada em "Music & Lights" do Imagination - atitude mais Tiger Woods, impossível - e os únicos samples de baixo e voz que reconheci no disco. Se o nome disso tudo é edit, remix ou sampling, pra mim não faz a menor diferença e a certeza é só uma: essa é a mais divertida armação dançável de 2011.

"Gin Nation": chupando Imagination.



terça-feira, 4 de outubro de 2011

Poperô



O britânico Vincent James Turner não teve o menor pudor em fazer de seu Do It in the AM (lançado no final de Setembro) uma coleção de pop chiclete. E o segundo álbum de Frankmusik é exatamente isso: como se fosse uma goma de mascar musical, pode tanto grudar na primeira audição quanto enjoar rapidinho e ser descartado assim que perder a graça. Mas pop não é isso mesmo? É. Mas existem obras inesquecíveis erigidas sob essas três letras. Monumentos de três minutos e meio que resistem ao teste do tempo. Não que fosse intenção de Frankmusik fazer de Do It in the AM um novo Thriller (acho), até porque não vai existir um novo Thriller (tenho certeza). E olha que esse moleque é talentoso (os veteranos do Erasure já perceberam isso chamando-o para produzir seu disco mais recente, Tomorrow's World). Seu nome está espalhado de cima a baixo na ficha técnica do álbum. Ele toca, produz, canta, compõe... e tem apelo visual. Você sabe, faz parte do jogo posar para fotos constrangedoras como essa da capa de seu álbum. O dance-pop urdido por Frankmusik em Do It in the AM só ultrapassa os três minutos e meio em duas das treze faixas; soa mundano já na faixa de abertura ("We Collide") e sublime no encerramento ("Cut Me Down"). Incorpora R&B e divide o microfone na boa "No I.D." (com a jovem Colette Carr) e em "No Champagne" (com Natalia Kills); assusta com os teclados medonhos da abertura do electro "The Fear Inside" e bota Mika no chinelo pela quantidade de hits em potencial que vem na sequência ("Wrecking Ball", "Running", "Brake Lights"...). Talvez Do It in the AM represente para 2011 o que o obrigatório The Lexicon of Love (do ABC) representava para 1982, e tenho que admitir que o cara é bom de refrão. Se eles vão durar mais do que um mês na sua memória é que são outros quinhentos.

"Cut Me Down": pop sublime ou mais um produto descartável?




sábado, 1 de outubro de 2011

Antes Tarde Do Que Nunca


Eu detesto frases feitas, mas tive que usar uma pro título desse post. Que desculpa melhor pra empregar um chavão do que falar sobre uma música de 2009? O alvo é a dupla alemã Paul Mogg e Xaver Naudascher e seu projeto Moon Unit. Escutei a faixa "Connections" num mix do Aeroplane pra revista Mixmag chamado Disco Balearica uns dias atrás, e "Connections" estava no set - que aliás, é bem legal e você pode ouvir no Soundcloud. Tem Mylo, Alphaville, Friendly Fires, Pet Shop Boys, Sebastien Tellier...


Lançada como single em Fevereiro de 2009, a "Connections" original é uma faixa de baixa rotação, com sintetizadores espalhados e uma bateria meio sem graça. Coube ao inglês Ewan Pearson (já operou Depeche Mode, Goldfrapp, The Rapture, Ladytron e Chemical Brothers) subir o BPM sem achatar o vocal cristalino de Rosalind Blair e lançar rajadas de synths pra deixar o clima tenso e dançável. Trabalho primoroso de um craque. Sabe quando um remix fica melhor que o original? Taí mais um caso pra estatística.

"Connections" (Original): synthpop downtempo.




"
Connections" (Ewan Pearson's Slo-NRG RMX): plástica pra pista.