sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sexta Feira Bagaceira: Ottawan


Qual era a boa numa melancólica noite de domingo de 1980? Programão era sentar na frente da TV e assistir Os Trapalhões. Didi Mocó tinha lá sua graça. Num fim de noite desses antes do Fantástico, um esquete do quarteto trazia uma zebra pinguça pra dentro de um bar e... bom, esse não foi dos momentos mais inspirados. A trilha pra dancinha do quadrúpede, no entanto, eu nunca mais esqueci. O refrão pegajoso da brejeira "D.I.S.C.O." da dupla francesa Ottawan me pegou de jeito, do alto dos meus cinco anos. Originalmente gravada na língua nativa, esse funkão de baixo obeso e um pezinho no Caribe chegou ao número dois no paradão britânico com vocais em inglês. O single seguinte - a não menos cafona "Hands Up (Give Me Your Heart)" - também teve bom desempenho nas charts. Mas "D.I.S.C.O." ficou pra posteridade, hit disco já na era pós-disco, que gerou inclusive uma espécie de resposta da dance music contemporânea com o pioneiro do hip-house Doug Lazy e sua ótima "H.O.U.S.E.", de 1990. O Ottawan ainda está na ativa.

"D.I.S.C.O.": acróstico.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Clássico De Primeira


Dia desses li um negócio que me deixou de boca aberta. "Bette Davis Eyes", hit interestelar da californiana Kim Carnes, foi gravado numa tacada só. Acredita? Eu custei a entender que a versão final não tem overdubs, não foi gravada em canais separados, nada disso. Foi "um, dois, três... valendo!", do começo ao fim. E prensa o single, e põe nas lojas em Março de 1981, e vai pro topo da Billboard (onde ficou por nove semanas), e termina o ano como compacto mais vendido nos Estados Unidos e coroa tudo isso com o prêmio de "Gravação do Ano" no Grammy Awards 1982. O autor da façanha é o produtor Val Garay, que disse ter feito "uns três takes e ter aproveitado um deles", simples assim. "Bette Davis Eyes" foi composta por Donna Weiss e pela cantora Jackie DeShannon - que chegou a gravar a canção em 1975, sem muita repercussão. A composição foi apresentada a Kim Carnes e Garay, que mudaram completamente o direcionamento da música - da letra ao arranjo - e o resultado foi um sucesso estrondoso, número um em 31 países - Brasil, inclusive. A voz rouca de Kim e o riff memorável do então novíssimo sintetizador Sequential Circuits Prophet 5 (sampleado pelo escocês Mylo no hit "In My Arms", de 2005) continuam entupindo pistas até hoje.

"Bette Davis Eyes": de primeira.

domingo, 20 de novembro de 2016

Caras Novas: Pr0files


Pra você, fã de technopop, que anda procurando uma novidade realmente interessante do gênero - que não venha com a clichezada oitentista inclusa no pacote, nem pastiches de Depeche Mode - atenção porque aqui pode estar uma das coisas mais bacanas que apareceram nos últimos anos. Os responsáveis pela façanha são Lauren Pardini (vocais) e Danny Sternbaum (sintetizadores), do Pr0files (grafado assim mesmo, com esse zero no lugar da letra o), de Los Angeles. Seu Jurassic Technologie saiu no final de Fevereiro com onze faixas e tageado pela própria dupla como darkdisco/electropop/synthpop. É um pouco de cada, bem equilibrado, com ótimas composições, potencial pra estourar algum single e uma cantora gata à frente (música pros olhos também é bacana). É um álbum homogêneo, coeso, pop e delicioso de ouvir. Dá pra sacar na faixa no Bandcamp, vai lá e me diz.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Sexta Feira Bagaceira: Milli Vanilli


Pilatus e Morvan: ternos à Didi Mocó e Grammy na mão.
A imagem não poderia ser mais emblemática. Rob Pilatus e Fabrice Morvan segurando - com toda cara de pau do planeta - o Grammy de Melhor Artista Estreante, entregue em 1990 por seu debut All Or Nothing, de 1988. O que veio a seguir, você sabe melhor que eu: descoberta a farsa, Rob e Fabrice não abriam a boca uma vez sequer no disco. Tudo por conta de vocalistas de estúdio. Resultado: tsunami de processos e Grammy retirado, até culminar com a morte por overdose de Pilatus, num quarto de hotel na Alemanha, em 1998.

Cria do produtor alemão Frank Farian (Boney M.), o Milli Vanilli nem de longe é um caso único do gênero. Samplear vocais sem dar crédito ou contratar vocalistas sem atributos físicos pra aparecer na capa de um álbum e nos vídeos, acontecia direto na dance music do comecinho dos 90. Technotronic, Black Box, C+C Music Factory e 49ers, são alguns exemplos bem conhecidos.

E a música? A dupla, ou melhor, Farian e os verdadeiros cantores, deixaram alguns singles bem legais. "All Or Nothing", "Girl You Know It's True" e "Baby Don't Forget My Number" tem exatamente a mesma estrutura: dance pop que chega no refrão sempre amparado pela bateria sampleada de "Ashleys Roachclip", do Soul Searchers. "Blame It On The Rain" tem andamento mais lento e "Girl I'm Gonna Miss You", uma baladinha R&B boa pro ritual de acasalamento.

Em All or Nothing, além dos singles de sucesso, tem um cover de "Ma Baker", originalmente de 1977, do grupo Boney M. Curto a programação de bateria e esses inidentificáveis violinos orientalizantes. Até hoje não sei se o som vem de instrumentos ou sintetizadores. Na real, se nunca me importei com os autores das vozes gravadas, porque haveria de perder o sono por causa desses violinos?


"Ma Baker": "...please contact the nearest police station..."

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Tacadas Certeiras


Já se vão cinco anos desde o debut da dupla italiana (Larry) Tiger & (David) Woods, Through The Green. O misterioso (nomes fictícios para Marco Passarani e Valerio Del Prete) projeto de "future boogie" fez um disco divertidíssimo, discotecou mundo afora (incluindo uma apresentação memorável no Brasil, na edição 2012 do Sonar em São Paulo) e, três ou quatro singles depois, retorna com mais uma batelada de grooves musculosos nas mãos, no lançamento de On The Green Again (T&W Records).


O título entrega uma óbvia continuação do disco de estreia: o som não perdeu um milímetro do foco e isso é ótimo. Samples obscuros colocados em loops infinitos, baixos corpulentos e uma linha que costura a dance do começo dos 80 (especialmente italo-disco e Hi-NRG) às técnicas de edição da house contemporânea. No meio disso tudo, uma palhinha de electro ("Phoenix"), funk (nos metais de "Endless Affair") e disco para todos os lados. On The Green Again parece uma coletânea de singles, todas as faixas tem um gancho forte, seja um sample vocal (como na minha preferida aqui, "Ginger & Fred"), seja baseado em algum instrumento (o piano circular de "Balloon"). Tem um certo clima de déjà-vu no ar, mas o termo Future Boogie parece ter sido cunhado sob medida para a música do Tiger & Woods.

"No More Talking": disco futurista.
 

domingo, 13 de novembro de 2016

O Calor Do Amor


Quando o primeiro EP do Mahmundi (Efeito das Cores, 2012) pipocou na rede, ouvi uma e outra faixa e achei que não era aquilo que ia fazer com que eu voltasse a ter fé no combalido pop brasileiro atual. Pro meu gosto à época, tinha um cheiro forte de hipsterismo chillwave vindo das seis faixas: oitentista demais, teclados demais, despretensioso demais, Toro Y Moi demais. Decidi que eu não precisava de um outro Silva em potencial - já que nem ele tinha me convencido ainda que seus discos dariam em alguma coisa.

Corta pra 2016: umas semanas atrás, numa navegação aleatória, vi que o primeiro disco do projeto veio à tona. Como o que eu conhecia do som tinha uma base eletrônica forte (o que me agrada), resolvi arriscar. Baixei, ouvi. Não acreditei. Ouvi de novo. E de novo. Passei pelos 43 minutos de Mahmundi (Stereomono/Skol Music) umas quatro vezes na colada, naquele dia. E fiquei pensando na minha falta de paciência com Efeito das Cores. Bem feito pra mim: Mahmundi saiu em Maio e eu cheguei cinco meses atrasado.

O que a carioca Marcela Vale oferece em seu debut é tudo que falta pra quem, como eu, sonha que algum dia a boa música pop triunfará de novo por aqui. Compositora, produtora, multi-instrumentista, esperta, estudiosa, e muito, mas muito talentosa, Marcela soltou um disco inteiro (são dez faixas) com canções acessíveis, cantaroláveis, redondinhas, recheadas de uma eletrônica contida, mas exuberante na escolha dos timbres e precisa na execução e sem deixar de lado as boas letras já percebidas nos dois primeiros EPs (Setembro, de 2013, eu perdi - num misto de preconceito e burrice. Erro já corrigido). Metade das músicas foi pinçada dos EPs e rearranjadas, o que garantiu que a fantástica "Desaguar", por exemplo, ganhasse uma polida no instrumental, fazendo com que o timbre de guitarra do riff principal soe com o dobro da potência original e também fossem providenciados novos vocais, entoados com todo tesão que essa faixa merece: é disparado o melhor refrão que ouvi no pop nacional nos últimos anos.



A ótima "Calor do Amor" (outra de Efeito das Cores) também foi retrabalhada com uma linha de baixo mais elástica, vocal 5% mais rouco e quente, sintetizadores e baterias eletrônicas mais limpos - mas sem qualquer resquício de pasteurização que pudesse tirar a força dos ataques.

Das novas faixas, "Hit" sugere justamente o que o título diz. Injustiça seria essa música não se transformar num dos maiores sucessos de 2016: outro riff brilhante de sintetizador, dinâmica de reggae e uma letra com duas estrofes pra você, eu e todo mundo cantar junto.


Há ainda o R&B estilizado de "Wild", programações espertas de bateria ("Meu Amor"), momentos mais contemplativos (e não menos apaixonados, sem resvalar na pieguice) como "Sentimento" e "Quase Sempre" e - surpresa - no meio de todo aparato eletrônico, Marcela despe-se até sobrarem somente as guitarras da linda "Leve".


Todo sucesso pra ti, Marcela. Esse é o disco do ano, fácil.