domingo, 19 de outubro de 2014

Mysterious Ways


Fennec é uma incógnita. As pistas sobre quem é esse produtor são poucas e, acho, falsas. Na sua página no Bandcamp, a foto é essa aí acima e a localização, Saara Ocidental (um território não-autônomo disputado pelo Marrocos e pelo movimento independentista Frente Polisário). No seu site oficial, uma série interminável de fotos; de paisagens de tirar o fôlego até a beleza fria do concreto nos centros urbanos. Com seu nome artístico extraído de uma espécie de raposa nativa dos desertos do Norte da África e da Arábia, saber quem é ou de onde Fennec vem, não influencia em nada o prazer que é ouvir o seu primeiro disco, lançado no começo do ano.

A lista de agradecimentos de Let Your Heart Break dá uma ideia de como esse álbum soa: Aphex Twin, Zomby, Flying Lotus, Jay-Z, DJ Koze, Four Tet, Jai Paul, Araabmuzik, Trentemøller, Röyksopp, John Talabot, The KLF, Pantha du Prince, Art of Noise... Em suas 15 faixas, ambient convive em paz com techno, hip-hop funde-se à house, IDM e downtempo são uma coisa só. São samples de vozes indecifráveis (só na sexta faixa, "Woke Up Feeling Disconnected", é que reconheci uma amostra de alguém que lembra Roland Orzabal, do Tears For Fears) e uma fluidez notável: as músicas vem unidas umas às outras e mesmo tratando-se de composições totalmente independentes, Fennec desenvolveu e distribuiu tão bem seu conceito de eletrônica emocional a partir de trechos previamente gravados unidos à timbres e texturas originais, que garantiu uma homogeneidade raríssima pra um disco que oferece tantos aspectos e ideias diferentes.

"Hemlock Groove" é um bom exemplo da técnica criativa de sampleamento e edição de Fennec. A tentativa aparentemente improvável é de encaixar um discurso raivoso e ininteligível de rap numa base house dançante pontuada por um loop bizarro. E o produtor acertou.

 


A brilhante "Polygonal Range" expõe um riff techno como chamariz enquanto várias camadas de sintetizadores se sobrepõe no segundo plano: 

"Blurred Lights" transforma um sample vocal num mantra, com teclados noturnos e alta dançabilidade:


Com Let Your Heart Break, coloco Fennec tranquilamente ao lado da maioria dos artistas que ele citou em sua lista. Samplear com criatividade e usar esses trechos nos lugares certos, com bases instrumentais sólidas e bem pensadas, nos dias de hoje, é um dom cada vez mais raro. Fennec apareceu do nada e de cara, debuta com um trabalho excelente, em total conexão com uma linha nobre de álbuns como Since I Left You (The Avalanches) e Entroducing (DJ Shadow). Descubra já.

Let Your Heart Break: um dos melhores discos de eletrônica do ano. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Spam, get outta here!