domingo, 29 de março de 2015

Pra Trás é Que Se Anda

Camouflage                                                                                    Monarchy
Camouflage e Monarchy, duas bandas de synthpop vindas de cenas e épocas diferentes, mas com algo em comum - além da opção pelo pop sintético: ambas não passaram no teste do segundo álbum. O Camouflage volta olhando pro passado, o Monarchy mostra que pode ter um futuro brilhante (se deixar a soberba de lado).
Os alemães do Camouflage surgiram na segunda metade dos 80, uma época em que o synthpop já estava em franco declínio. Com a boa estreia em álbum (Voices & Images, 1988) e um ótimo single na manga ("The Great Commandment"), o grupo primou por letras políticas de uma certa ingenuidade, mas compensou com bases eletrônicas sólidas e ótimos ganchos de sintetizador ("Neighbours", "Strangers Thoughts", "That Smiling Face"). A partir do segundo álbum (Methods of Silence, lançado no ano seguinte), a música do Camouflage pareceu ter envelhecido dez anos e a banda perdeu-se em tentativas de atualizar seu som. Greyscale, depois de ter sido adiado por duas vezes (estava programado para 2013, depois 2014), acabou de sair e é o oitavo disco do grupo. Volta o Camouflage 100% sintético dos primeiros trabalhos (eles chegaram a utilizar bateristas e instrumentos convencionais no começo dos anos 90), mas ainda não há, aqui, uma sequência de faixas que dê homogeneidade ao trabalho. Os devotos mais fervorosos do technopop vão curtir a levada futurepop e os synths da boa "Misery", a apelativa "Shine" (primeiro single de Greyscale) e o clima sombrio de "Laughing", mas o existencialismo duvidoso de faixas como "In The Cloud" e os arranjos grandiloquentes de "Still" e "End Of Words" puxam a média pra baixo. Dentro do gênero, Greyscale não é um disco ruim, mas quando nos induz a procurar pelo botão skip do player, é porque alguma coisa não saiu como esperado.

"Shine":






O Monarchy - duo australiano residente em Londres - apareceu por volta de 2010 e ascendeu rapidamente no meio eletrônico, com uma sequência de singles e faixas de tirar o fôlego ("The Phoenix Alive", "Love Get Out Of My Way", "Black, The Colour Of My Heart") e um álbum com poucas arestas a aparar (Around The Sun, 2011). Mostrando-se ainda talentosos remixadores (Marina and the Diamonds, Ellie Goulding, Lady Gaga, Orchestral Manoeuvres in the Dark, Jamiroquai e Kylie Minogue na lista), minha empolgação com o trabalho da dupla me levou a pensar que ali estavam os herdeiros que os Pet Shop Boys estavam esperando. Seu recente Abnocto não chega a decepcionar, embora não traga nada tão impactante quanto "Jealous Guy", do debut de quatro anos atrás. Os vocais em falsete de Ra Black continuam sendo um diferencial decisivo - fugir do modelo barítono/atormentado de Dave Gahan (Depeche Mode) é altamente positivo num campo minado de imitadores - e musicalmente, o Monarchy ganha em modernidade em relação à seus coirmãos alemães. Chamar a modelo e dublê de cantora Dita Von Teese para a boa "Disintegration" também foi uma sacada esperta da dupla, assim como a perfeita assimilação do pop na assobiável "The Beautiful Ones". Eles continuam bons compositores de pop sintético, numa tradição Vince Clarke da coisa ("Living Without You" é a melhor prova), constroem baladas com toquezinhos de R&B ("Dancing In The Corner") e technopops clássicos ("Falling In Love With A Memory"), o que já basta pra considerar Abnocto um disco OK - mas ainda distante do arrebatador Around The Sun. O Monarchy tem potencial, tenho certeza. Acho que um produtor como Stephen Hague cairia como uma luva para um hipotético terceiro álbum.

"Living Without You":

sexta-feira, 27 de março de 2015

Sexta Feira Bagaceira: Haddaway


O single de estreia de Alexander Haddaway foi bem demais. Lançado no finalzinho de 1992, chegou ao número um nas paradas de vários países e vendeu quase três milhões de cópias. "What Is Love" foi escrita e produzida pela dupla alemã Tony Hendrik e Junior Torello e é um pop house memorável: a linha de baixo simples casada com um riff de teclado de timbre atípico, um arranjo dramático de cordas sintetizadas no segundo plano e o vocal a plenos pulmões de um cantor altamente competente num momento especialmente favorável ao eurodance. Absolutamente inesquecível.

"What Is Love": baby, don't hurt me.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Mi Casa Su Casa


Abençoado seja o grande Todd Terry por chamar uma vocalista absolutamente fantástica como Robin Stone pra cantar em sua nova "Give Me A Reason". E daí que o baixo use o mesmo timbre de órgão do sintetizador Korg M1 que fez escola em "Show Me Love" e "Luv 4 Luv" (os dois maiores hits de Robin)? Importante aqui é que Robin S. continua cantando maravilhosamente e a música é ótima. A faixa vai estar, aliás, no próximo álbum de Terry, Our House Is Your House, que sai dia 30 de Março pelo Ministry Of Sound. Coisa linda.

Um cheirinho de "Give Me A Reason": gritaria divina.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Sexta Feira Bagaceira: Wham!


O duo britânico Wham! durou só cinco anos (1981-1986), mas deixou bons singles e levou meia dúzia deles ao topo do paradão inglês. O guitarrista Andrew Ridgeley seguiu numa carreira solo discretíssima, já George Michael... não precisa nem escrever. "Club Tropicana" é de 1983 - um negócio meio disco, meio new wave, com arranjo de metais à Earth, Wind & Fire e percussão latina.

Dá um certo medo de arriscar a versão original num set...


...mas o edit econômico do austríaco Mannix transforma a faixa numa house funky e com menos cara de exotismo pra europeu ver.

terça-feira, 17 de março de 2015

Super Mouse é Seu Amigo


 A lista de edits e remixes do britânico Mighty Mouse impressiona. Eclético e sem medo de fuçar no trabalho de monolitos como Smokey Robinson, Madonna e Prince, o DJ e produtor também lança singles com certa regularidade (sua faixa mais legal é a house chicana "Song For Ellen", um hitaço de pista de 2009). Mouse acabou de soltar música nova ("Wunder") e olha, é coisa boa. Disco-House padrão, mas com aquele pianinho safado de grudento. E o download em sua página no Soundcloud é grátis.

"Wunder": venenosa simplicidade.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Shainirô


Cria do produtor alemão Tim B., o Satin Jackets vem numa onda indie dance/electropop com sua nova "Shine On You" - que até parece coisa vinda da Austrália, tipo Cut Copy de boa cepa. Verão chega daqui a pouco no Hemisfério Norte, taí uma boa candidata a hit.

"Shine On You": o verão dos sonhos na gelada Alemanha.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Sexta Feira Bagaceira: Spagna


"Easy Lady" é o single de estreia da italiana Ivana Spagna, lançado em 1986. Foi hit de cara, mas não fez mais sucesso que o compacto seguinte da cantora, "Call Me" (1987), a melhor canção que Stock, Aitken & Waterman não produziram (no Brasil, foi trilha da novela Sassaricando). Minha preferida continua sendo "Easy Lady". Aqui o synthpop cruza com italo disco e não dá besteira: rende um riff memorável de sintetizador e um refrão pop reconhecível à quilômetros. O 12" é uma baita carta na manga; enche pista fácil.

"Easy Lady": das melhores da safra ítalo.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Bonitinha, Mas Ordinária


Projeto solo da nova-iorquina Danielle Johnson, o Computer Magic chega à um segundo disco gelado. Destilando suas influências de Radiohead, Mindstate traz uma compositora meio tristonha ("Running" é a faixa de abertura mais baixo-astral que ouvi nos últimos anos) e com vocais que por vezes soam completamente deslocados (ouça a pavorosa "I'm The Pro" e comprove), a maioria das 11 faixas do álbum força uma amizade entre indie desleixado e technopop primário que não dá certo. Os poucos momentos em que Danielle deixa entrar um pouco de sol no estúdio resumem-se aos bons timbres analógicos extraídos em "Time To Decide", ao instrumental que parece sobra de estúdio de Dare, do Human League (em "All I Ever Wanted"), à boa canção synthpop da faixa título e à quatro minutos em que nota-se que rolou um esforço ("My Love"). Essas poucas músicas são ofuscadas pelas experiências sintéticas desastrosas ouvidas em "Another Science", "It Makes No Difference" e "Time And Reason" (esta de um minimalismo bocejante). Danielle Johnson é bonitinha e deve ter uma coleção de sintetizadores cool, mas sua música é entediante e deixa um cheiro forte de hipsterismo no ar.

"Running": cartão de visitas nada convidativo.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Acid Clicks


Ainda não é a versão definitiva, mas os britânicos do Errozero projetaram um sintetizador/sequenciador de baixo aos moldes da clássica TB-303 (da Roland, foto acima). O Acid Machine vem com bateria eletrônica e o legal mesmo é que dá pra brincar direto do navegador, sem precisar baixar nenhum arquivo nem instalar. E se você montar uma base insana - mesmo sem querer - dá pra salvar. O visual é esse aí abaixo e está aqui.




terça-feira, 10 de março de 2015

De Volta Para o Futuro



"Como poderíamos mudar agora? Gastamos vinte anos neste tipo de trabalho. Não podemos dizer amanhã que o negócio é voltar a usar violões."

Ralf Hütter se saiu com essa, quando perguntado pelo jornalista do NME Simon Witter, em 1991, se o Kraftwerk sentia-se confortável com a adoção de seus métodos pelo mainstream. A frase cabe bem para Juan Atkins, a respeito da reativação de seu projeto Model 500, agora em 2015. As nove faixas do recém lançado Digital Solutions pouco diferem da estreia do grupo, o clássico single "No UFO's", de 1985 - algo realmente à frente do seu tempo em sua robótica e sombria visão da pista de dança. Com uma discografia pouco extensa, o Model 500 só chegou à um disco cheio em 1995 (o parcialmente houseificado Deep Space), depois veio Mind And Body, em 1999 (com influências de drum'n'bass) e o que temos com o novo álbum é uma continuação natural das primeiras experiências de Atkins enquanto Model 500: basicamente techno e electro, gêneros que o próprio Atkins ajudou a cimentar (no caso do electro, mais especificamente com seu outro pseudônimo, Cybotron, na primeira metade dos 80).

Uma ouvida em Digital Solutions deixa claro que Atkins não propôs nenhum tipo de atualização em sua música - o que poderia significar uma simples adequação à gêneros de eletrônica em curso na ocasião - e a partir daí gerar mais uma coleção um tanto duvidosa (ainda que competente) para seus fãs mais ardorosos, como em seus álbuns anteriores. O disco não decepciona quem espera do artista suas sempre engenhosas soluções digitais (o título do LP é ótimo e oportuno) encontradas em seus sintetizadores e baterias eletrônicas, portanto não faz sentido perguntar se o álbum soa datado ou não, porque não é essa a questão. Digital Solutions é tão futurista quanto as produções anteriores de Atkins - busca referências em si mesmo, tal é a atemporalidade e a contemporaneidade de sua música, mesmo a tramada nos anos 80. Penso que desta vez, o Model 500 não sugeriu um upgrade e nem tampouco soa como um cover de si próprio. O que Juan Atkins apresenta tem a ver com continuidade, fazer música hoje olhando pra frente - como há 30 anos atrás.

 Por outro lado, a solução para Atkins talvez não seja voltar ao velho equipamento analógico, mas guitarras aparecem servindo de base funkeada em "Hi NRG" e nos solos lânguidos convivendo em harmonia com os beats sintéticos de "The Groove" - algo que evidencia a provável influência do Parliament em sua música.


O uso característico do vocoder ocorre no ritmo engrenado da kraftwerkiana "Standing In Tomorrow", sustentado pelo baixo elástico de "Electric Night" e na opressiva "Control", mas propositalmente, Atkins prefere desnudar (a despeito do título) seu tom grave de voz entre os wah-wahs de "Digital Solutions", a penúltima faixa.


A downtempo "Encounter" é um belo exemplo do talento para manipulação de sons do produtor e "Station" encerra o disco com um arpejo de sintetizador e o clima soturno dos teclados.

Digital Solutions é um disco de techno sem compromisso com os pendrives dos DJs - o que pode causar estranheza à novos fãs em potencial (somente em dois momentos engata um 4x4 com o bumbo em primeiro plano - "Storm" e "Hi NRG" - mas isso, aliás, nunca pareceu preocupar Atkins, haja visto o status cult de seu projeto nos clubs). O que vale aqui é encontrar um Model 500 em forma, com um disco de eletrônica sólido e sem modernizações inoportunas, afinal, como reinventar o futuro? A resposta é tão impossível quanto a pergunta. E Juan Atkins sabe disso.

"Hi NRG": 

segunda-feira, 9 de março de 2015

Körpermusik


O que tenho ouvido de EBM recentemente me tem feito muito bem: não consigo conter o riso. A maioria das bandas escandinavas e alemãs não consegue ir além dos clichês mais surrados do gênero (instrumental pretensamente pesado, temática apocalíptica dominante) e o que apareceu de interessante nos últimos anos são os projetos que aproximaram a velha Electronic Body Music do techno. Abaixo, Powell e Tzusing: dois artistas novos e duas variações interessantes para o mesmo tema.


O produtor britânico Powell assinou ano passado com a XL Recordings (The Prodigy, Basement Jaxx) e acaba de lançar um single pela gravadora. O som de Sylvester Stallone é duro e árido, sem espaço para melodia - tanto na faixa título (com samples vocais característicos) quanto no lado B "Smut", com bateria minimalista e várias interferências de industrial. É um caminho que pode render bons remixes.



O malaio de origem chinesa Tzu Sing surpreende com seu EP A Name Out of Place Pt. II. Muito bem produzido e imediatamente mais acessível do que o trabalho de Powell, a ótima faixa de abertura "4 Floors Of Whores" acelera firme rumo à pista de dança. Os zumbidos cambaleantes de "Frankinsense And Myrhh" e as distorções de "Khi Tang", ambas com andamento lento, preparam terreno para os excessos dos riffs furiosos de "O.D.D.". Música não tem fronteira, mas não deixa de ser inesperado um som assim vindo de Xangai.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Kate Cat


Não tem definição melhor pro som do trio sueco Kate Boy que electropop. É pop, é eletrônico e é bem interessante. Seu EP autointitulado acabou de sair pelo selo britânico Fiction Records (lar do The Cure por mais de 20 anos) e traz canções já editadas em single: das cinco faixas, só "Higher" é inédita. "Northern Lights" e "The Way We Are" (ambas muito boas) são de 2013 e a melhor do pacote, "Self Control", é do ano passado. O EP precede o álbum Human Equal Evolve One, que deve sair ainda neste semestre. Kate Boy, o EP, me entusiasmou mais do que tudo que o hypado CHVRCHES já gravou até hoje. A ótima "Self Control" está no vídeo abaixo, com os vocais da australiana Kate Akhurst - que além de cantar bem, é gata demais da conta.

"Self Control": pop promissor.

terça-feira, 3 de março de 2015

Back To Norway


Em 1998 era praticamente impossível que eu tivesse ficado sabendo do lançamento de Nedi Myra, o primeiro álbum do norueguês Bjørn Torske. A internet ainda engatinhava por aqui, a Bizz agonizava e a MTV já tinha deixado de ser relevante há pelo menos uns cinco anos, então, como é que eu ia saber que esse disco saiu naquele ano pela minúscula Ferox Records - selo britânico de techno de propriedade do DJ e produtor Russ Gabriel? Bom, o importante mesmo é que agora, em 2015, ele acaba de ganhar uma reedição remasterizada, pela gravadora norueguesa Smalltown Supersound. E é uma maravilha.

A primeira constatação é que, passados 17 anos de seu lançamento e levando-se em consideração o cenário em 1998 e o atual, Nedi Myra não perdeu um pingo do seu frescor. A segunda é (re)descobrir um disco que merecia e muito, ter saído do anonimato.

Torske explora house music e ambient de tal forma, que a osmose sonora acontece naturalmente e a separação de ambos torna-se impraticável em suas oito faixas. Com a ajuda de um bom fone de ouvido, é fácil se deixar envolver por sons que induzem o ouvinte às paragens geladas do Ártico, tanto na cinematográfica abertura de "Limb Fu" (com sua linha de baixo orgânica e solos de flauta que atravessam a música) quanto nos sintetizadores nebulosos de "Eight Years", um breakbeat entrecortado por teclados de movimentos tão repentinos quanto a dança das luzes da aurora boreal. Jazzy e elegante, Nedi Myra acerta em cheio na escolha dos timbres - seja nas emulações de órgãos de "Beautiful Thing", na magistral sessão de cordas e no xilofone do aparentemente improvável encontro da deep house com o easy listening de "Fresh From The Bakery" (esta ainda com uma notável e minuciosa variação de hi-hats) ou nos efeitos borbulhantes dos synths de "Smoke Detector Song", encharcados de wah-wah.


As batidas apresentadas em Nedi Myra são um caso à parte. Não se resumem ao esquema bumbo e caixa de um 4x4 entediante: há desde as criativas viradas de bateria de "Beautiful Thing" até a polirritmia de "Eight Years", a levada sambística da bossa lounge "Ode To a Duck", os beats de hip-hop de "Smoke Detector Song" e a programação de "Station On Station" - uma percussão com toques de industrial que lembra os ataques estridentes de "Metal On Metal", do Kraftwerk.


  Nedi Myra transpira musicalidade, é altamente criativo e, principalmente, uma delícia de ouvir. De quebra, mostra que Bjørn Torske - além de colaborador frequente do Röyksopp - é um produtor talentosíssimo que merece estar num lugar no mundo da eletrônica ao lado de gente como Lindstrøm e Todd Terje. Redescubra já.

"Limb Fu": cinematográfica.