quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Metamorfose Ambulante


Ora delicadamente folk, ora sombriamente eletrônico, Aftermath saiu no meio do ano e é o segundo disco do Hundreds, formado pelos irmãos Eva e Phillip Milner. A dupla alemã levou algo em torno de um ano em meio gravando o álbum e o resultado veio em forma de doze canções com um acabamento primoroso, polido pelo engenheiro de som e produtor britânico David Pye (que já trabalhou com o Wild Beasts). Invernal, agridoce e de incontestável beleza, Aftermath traz arranjos econômicos e precisos, com o uso contido de cordas e pianos e a estaticidade hipnótica dos sintetizadores, que valorizam a ótima vocalista Eva Milner. Vale o confere.



Outra boa notícia é o recente lançamento de um EP de remixes de Aftermath. São excelentes versões para quatro faixas do álbum, feitas por gente tão desconhecida quanto talentosa. Minha preferida é "Aftermath (Robags Berchem Duff NB)", uma impressionante transformação que cruza magistralmente darkismo e pista de dança. Saiu pelo microselo Krakatau, mas tem cara de Pampa Records.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Technics SL-1200MK2: Electronic


No comecinho dos 90, a conclusão óbvia que cheguei depois de ouvir pela primeira vez Electronic - debut da dupla homônima formada por Barney Sumner (New Order) e Johnny Marr (The Smiths) - era de que havia ficado muito parecido com New Order e nem de longe lembrava Smiths. Numa entrevista que li algum tempo depois, até Gillian Gilbert achou isso. O mundo inteiro achou isso. Não que a união do guitarrista e vocalista do New Order com o guitarrista dos Smiths devesse, necessariamente, sugar metade da sonoridade de cada banda (e, de fato, não foi isso que aconteceu) e transformar o resultado num punhado de canções, mas esse álbum (lançado em 1991) apontou o caminho por onde o próprio New Order seguiu pouco depois, com Republic (1993). A diferença era o techno inserido em Republic substituindo a house de Electronic.

Acho Electronic um disco quase perfeito. Só não leva o 10 por conta do rap desengonçado de Barney Sumner em "Feel Every Beat" e pela não escolha de "Reality" como single. De resto, sem arestas pra aparar. Tem a colaboração preciosa dos Pet Shop Boys em duas faixas ("The Patience of a Saint" e "Getting Away With It"), as programações de bateria e percussão estão entre as melhores que já ouvi num mesmo álbum, os sintetizadores convivem amigavelmente com as guitarras de Johnny Marr, tem hits de pista e de rádio e toca inteiro sem pular nenhuma faixa. Até "Feel Every Beat" tem seu valor pelo refrão e aquele pianinho house característico de sintetizador Korg.

"Reality": mancada não ter virado single. 

domingo, 23 de novembro de 2014

Slow Motion


Pra ver o mundo passar em câmera lenta, taí o single Hurry Slowly da dupla americana Arms and Sleepers. São duas faixas que serviram de introdução ao álbum Swim Team, recém lançado. Beats lentos de hip-hop, estalinhos glitch, loops, timbres delicados de sintetizador. Tudo pensado para o completo conforto auditivo do ouvinte, sem abrir mão da inteligência no que tange aos arranjos de uma certa complexidade, mas de fácil assimilação. Have a nice trip.

Hurry Slowly: trip hop instrumental.

sábado, 22 de novembro de 2014

25 Anos à Frente


Responsável por boa parte do que de melhor se produziu na música eletrônica - dançável ou não - nos últimos tempos, a gravadora Warp completa 25 anos de atividades em 2014. Pra se entender um pouco da escala evolutiva e do pioneirismo do selo, o Bleep (site de vendas de música e afins da Warp) pinçou 26 faixas do invejável catálogo da gravadora originária de Sheffield para a coletânea Bleep Selects: 25 Years Of Warp.

Na contramão do pop e apostando sempre em artistas sem medo de experimentar, um dos primeiros singles lançados pela Warp, o marco techno de frequências de sub-grave inacreditáveis "LFO" (1990, do projeto homônimo do recentemente falecido Mark Bell), provou que a gravadora estava no caminho certo: 130 mil cópias vendidas e 12º lugar no paradão inglês. A música está na compilação, mas como a regra é incluir uma faixa de cada ano, fãs de dance music mais fervorosos (e com boa memória) vão sentir a ausência de "Tricky Disco", outro grande hit do selo do mesmo ano. Por outro lado, os nomes inclusos dão uma excelente amostra da importância da Warp para a eletrônica (Autechre, Nightmares on Wax, Boards of Canada, Aphex Twin, Squarepusher), ao mesmo tempo em que exibem o leque de possibilidades que a gravadora abriu com o passar dos anos (para o desespero dos puristas), ao abranger gente como Jamie Lidell, Grizzly Bear e Battles. Não sou saudosista, mas a metade anos 90 da coletânea surra sem dó os artistas da década seguinte. Admiro a postura firme e independente da Warp com relação ao seu cast e seus lançamentos, desde sempre, mas Grizzly Bear, Battles e Rustie não me convenceram ainda de que merecem estar nesta gravadora. De qualquer maneira, Bleep Selects: 25 Years Of Warp é uma aula sobre música eletrônica que não dá pra cabular.

"LFO (Leeds Warehouse Mix)": arrebentando (literalmente) alto-falantes mundo afora.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Sexta Feira Bagaceira: David Guetta


É assim: uma voz sedutora geralmente acompanhada por violões algo country introduz dramaticamente a canção, versando sobre a noite que vai bombar, sobre o amor de verão, sobre qualquer cazzo que o valha. Não importa. Pula direto pra primeira estrofe e vai crescendo até uma pausa que traz um silêncio nada misterioso: todo mundo sabe que o que vem a seguir é um rufo de caixa que acelera até explodir num riff de sintetizadores paraguaios com, no máximo, três notas. Esse é o refrão. Essa é a fórmula EDM de David Guetta (e de toda cambada genérica que nem preciso citar aqui). Fim.

Foi exatamente por isso que ao ouvir a primeira faixa ("Dangerous") do novo álbum de Pierre Guetta (Listen, jogado oficialmente hoje no mercado), fiquei (um pouco) surpreso. Vocais com uma carga contida de emoção (de um tal Sam Martin - não faço ideia de quem seja), arpejo de synths, batida funkeada, boa linha de baixo de quatro cordas, final camerístico.


Será que...? Será nada. Daí pra frente, entra a fórmula descrita acima, com um parênteses pro Guetta que perdeu a chance de produzir uma boa faixa gospel-house com a ótima Emeli Sandé ("What I Did For Love"), que jogou John Legend na lama em "Listen" (prova de que o mar não tá pra peixe, mesmo) e que criou ao menos um refrão engolível (o pastiche reggae "No Money No Love", com a rapper Ms. Dynamite). O resto, é o lixo habitual, com as participações costumeiras de figurinhas repetidas, como a bunduda Nicki Minaj, Afrojack e Avicii (que deu uma mãozinha na produção).

Mas veja, eu não odeio totalmente esse francês farofento. Em 2004 ele produziu a única faixa que tem minha simpatia: "The World Is Mine". Gosto, particularmente, por causa dos vocais classudos do belga JD Davis e pelo sample muito bem aproveitado de "Someone Somewhere in Summertime", do Simple Minds. É só isso. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Remarinados


É até perdoável que você tenha passado em branco por This Time Last Year, o bom álbum lançado ano passado por um dos projetos precursores do ambient techno - o Ultramarine. Não dá pra acompanhar todas as novidades mesmo, blá blá blá. Mas ainda dá tempo de correr atrás e garanto, vale a pena. Pecado mesmo é nunca ter ouvido o segundo disco gravado pela dupla britânica Ian Cooper e Paul Hammond, Every Man And Woman Is A Star (1991), um dos pilares do gênero.

De qualquer maneira, o Ultramarine apareceu com mais uma novidade pra te lembrar que eles ainda estão na ativa e ainda são relevantes: saiu há pouco o single ‎ Passwords, com três faixas pinçadas de This Time Last Year e habilmente remixadas.

Tem o post-rock original "Eye Contact" houseificado por Kai Alcé, a quase jazz "Passwords" ganhando em dançabilidade com o Hercules & The Love Affair e a desolação de "Decoy Point" soando duplamente angustiada pela lente fria do duo Juju & Jordash.

Uma geral em Passwords:

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Alive and Kicking


Giorgio Moroder é o Moisés da dance music: ele dividiu a música de pista em antes e depois de "I Feel Love" (Donna Summer, 1977). "74 Is The New 24" é o single que precede o novo álbum a ser lançado ano que vem (provavelmente com esse mesmo nome) e olha, é ótimo que aos 70 e poucos anos esse gênio ainda esteja na ativa e produza uma faixa consistente como essa. Os usuais arpejos de sintetizador, vocoders, pianos e guitarras da sua space disco atemporal o aproximam de pupilos como Lindstrøm e Todd Terje, ou seja, Moroder está mais atual do que nunca.

A bela animação de "74 Is The New 24": velocidade em slow motion.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Caras Novas: RÜFÜS


Australianos de Sydney, o RÜFÜS (DU SOL pro mercado norte-americano), debutou ano passado com o álbum Atlas e foi direto pro primeiro lugar na terra natal.


Achei exageradas coisas que li como "esses caras têm o potencial de mudar a maneira como as pessoas percebem a dance music" ou "o mais recente projeto australiano para dominar o mundo". O som deles é OK, indie dance que pode, na verdade, tomar o lugar do Cut Copy - que anda marcando bobeira desde o terceiro disco (Zonoscope, 2011). É simpático, é agradável, é dançável, é mezzo eletrônico mezzo orgânico. É exatamente o que Beloved fazia (muitíssimo bem) em 1990, mas que não passou de um álbum sensacional (coincidentemente, o também debut Happiness) e mais meia dúzia de singles bacanas. Não que eu esteja pessimista sobre o RÜFÜS, mas pezinhos no chão, aussies.

"Sundream": sobrevive ao hype?

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Sexta Feira Bagaceira: Alphaville


São os arranjos de gosto duvidoso, é o vocal afetadíssimo de Marian Gold, é a temática pueril. O Alphaville, definitivamente, não vai ser incluído entre as melhores coisas do synthpop 80. Mas isso não impede que faixas monumentais como "Big In Japan" e "Sounds Like a Melody" tenham sobrevivido dignamente durante esses anos todos. É facinho ouvir o som dos alemães ainda hoje em rádios e pistas. Pra comemorar 30 anos de atividades, o Alphaville acaba de jogar no mercado uma excelente retrospectiva: a dupla de produtores Blank & Jones pinçou (e remasterizou usando as fitas master originais) o filé da discografia da banda em versões doze polegadas num CD duplo chamado so8os presents ALPHAVILLE. Está tudo ali, de uma (pra mim) inédita versão dançante de "Forever Young" até os lados B (dispensáveis) no CD 2. O CD 1, no entanto, vale muito a pena, acredite.

"Sounds Like A Melody (Special Long Version)": sob o domínio dos sintetizadores.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Corrida do Ouro


Booka Shade retorna com Line Of Fire, um EP que evidencia a corrida do duo alemão atrás dos riffs ganchudos que tanto fizeram a cabeça dos clubbers há quase dez anos. O bom é que esses refrões instrumentais vem acompanhados de bases sólidas e encorpadas. A faixa título é a mais rebolativa do EP, com um groove elástico e uma frase de sintetizador ligeiramente fora do tempo - o que causa uma certa desorientação (que deve render ainda mais com a luz e a bebida certa). "Right On Track" é o tech house costumaz da dupla, aceleração constante de timbres roucos e distorcidos. "Back To Monza" tem a pegada firme do bumbo pesado e o caldo grosso do baixo, mais o charme dos strings ininterruptos.

Depois de algumas apresentações na terra do Obama, Walter Merziger e Arno Kammermeier estão a caminho da Austrália, onde tem datas no final de Novembro e começo de Dezembro.

Um cheirinho de "Line Of Fire":

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Fugindo do CHVRCHΞS


É bonitinho, é fofinho, a vocalista é gatinha. Eu acrescentaria mais um à série de diminutivos aplicados aos escoceses do CHVRCHΞS: é chatinho. Músicas acima da média desse trio eu conto nos dedos de uma das mãos. Obviamente, os quase 800 mil cliques no play da nova "Get Away" (na página da banda no Soundcloud), estão aí pra mostrar que muito provavelmente, sou minoria. Mas, fazer o quê. Não vejo nada além de canções razoáveis, montadas sob bases de synthpop nada especiais. E com "Get Away", não é diferente.

"Get Away": popularidade a olhos vistos.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Canção da Meia-Noite


Os nova-iorquinos do Midnight Magic retornam com um EP seguindo a habitual cartilha disco, mas com a eletrônica começando a se infiltrar aos poucos no seu som. Vicious Love abre com "Night Flight" - na mesma vibe do primeiro e fantástico hit do grupo, "Beam Me Up", de 2010. A rotação baixa um pouco com a um tanto arrastada "Vicious Love", mas o funk "Pick Up" (com o sempre bom trabalho de metais da banda) e a house "Trouble T" (que engata uma boa linha de baixo sintético) garantem que a festa continue mais animada - porque se depender do remix frouxo de "Vicious Love" feito pelo francês Dimitrios Yerasimos (Dimitri From Paris), geral abandona a pista e vai pro bar jogar conversa fora.

   "Night Flight": brilho próprio ou só um repeteco de "Beam Me Up"? 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Melodias Subaquáticas


Há uma linha tênue que separa experimentos com sons ambientais e eletrônica da cafonice em que resultam a maioria destas tentativas. Ultimamente, ou vira trilha da problemática série Café Del Mar ou entra numa chatíssima vibe new-age-pra-chamar-gnomo. Um tanto desconfiado, fui ouvir o novo EP do duo australiano Willow Beats e - surpresa - gostei. Water reforça o interesse que vem aumentando no som deles. Existe uma clara aproximação com o dubstep na maioria das faixas, perceptível nas frequências subterrâneas dos baixos e nas batidas fraturadas. Os samples não impressionam, mas preenchem as faixas sem exageros: vão dos habituais trinados de pássaros ("Guardian") e amostras da floresta até diversas referências ao título do EP. A melhor das seis canções de Water é, sem dúvida, a abertura "Merewif" (que parece título de música do Cocteau Twins). Aqui, a fusão eletrônica/ambient encontra seu ponto ideal, fazendo-se valer da batida dançante e dos vocais angelicais de Kalyani Ellis. Water pode ser ouvido inteiro na página do projeto no Bandcamp (assim como os outros dois EPs já lançados).

"Merewif": faltou o Ian Thorpe.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ciência Criativa


Preste atenção nessa música: é um dos melhores momentos que o pop eletrônico vai proporcionar nesse 2014. "Supernatural" é o novo single do duo inglês AlunaGeorge e deve aparecer num possível álbum ano que vem. Aluna Francis continua sussurrando lindamente, George Reid mantém o instrumental econômico e preciso (a percussão e o baixo são sensacionais), num cruzamento entre dance e R&B finíssimo. Pra definir o trabalho da dupla, dá pra citar um trecho da letra: "creative science that we make". É isso aí.

"Supernatural": os prováveis três melhores minutos da semana.

domingo, 2 de novembro de 2014

Chuva de Milhões


Admito: quando conheci Calvin Harris musicalmente, o escocês parecia possuir uma verve debochada na linha "I don't give a fuck", que ia do título do seu debut, I Created Disco (2007) até a tosquice da produção - torta e propositalmente datada. Harris era uma espécie de Mike Myers do pop eletrônico. Simpatizei com a cafonice explícita em sua música. Dei algumas risadas com o funk capenga "Merrymaking at My Place" e com os teclados fuleiros e o vocal desengonçado de "Colors". Me surpreendi com o potencial pop contido em "Girls" e até com o estranho caso em que o título de uma música era mais interessante do que a própria ("Acceptable in the 80s"). Era descompromissado, foi divertido e, bom, o disco vendeu relativamente bem. Harris viu que estava no caminho certo. Só que ele precisava atualizar seu som. A piada de I Created Disco não ia ter fôlego pra um segundo álbum. E assim foi. A partir de Ready for the Weekend (2009), o menino Calvin optou pela solução mais fácil: montou uma linha de produção de electro house genérica, acumulando montanhas de clichês do gênero (ouça "I'm Not Alone"). Depois, ladeira abaixo. Além da música igualmente ordinária do disco seguinte 18 Months (2012), Harris começou a andar com gente suspeita (Florence Welch, Nicky Romero) e compor para artistas como Rihanna (o mega hit "We Found Love"). Aí, 2014 e acaba de sair o novo Motion. Calvin Harris não pode jogar tudo pro alto agora. É um caminho sem volta: é o suicídio artístico em detrimento de uma carreira comercialmente bem sucedida - que o colocou no topo da Forbes, como o DJ/produtor mais bem pago do mundo. E mais uma vez, Motion é uma coleção monótona e burra, que inacreditavelmente repete fórmulas surradas de dance pop, de riffs insuportavelmente chatos de sintetizador, da falta de imaginação ao compor canções exatamente idênticas umas às outras, de afundar no terreno mais improdutivo da eletrônica atual e levar consigo nomes que nos faziam acreditar num sopro saudável de renovação quando apareceram (Hurts, Ellie Goulding), mas que agora provam que eram só mera curiosidade passageira, mesmo. É aquela conversa mole de "verão sem fim", "magia da noite", "todos numa só batida"... eca. Daria pra ligar um "foda-se, é só pop descartável", mas esse nem é o problema. Lance é que é pop descartável e ruim, muito ruim. Pensei que True do Avicii levaria fácil o primeiro lugar como Pior Disco de Dance Music do Ano. Pois ele acaba de ganhar um sério concorrente.

"Under Control": Hurts satisfeito com as migalhas.