"Fazemos música para o quarto, para a sala de estar. Se for tocada nas discotecas, ótimo. Mas nunca chegamos a entender isso."
Palavras de
Andrew Fletcher, numa entrevista para a finada revista Bizz em 1989. O mesmo Fletch que exercita seu lado DJ mundo afora hoje em dia. Bom, o Depeche sempre se deu bem em pistas de dança. Desde seu primeiro sucesso de fato (o terceiro compacto, "Just Can't Get Enough" de 1981) até o single inédito mais recente ("Fragile Tension"/"Hole to Feed" de 2009), os ingleses tem essa espécie de comprometimento com as danceterias. E tome versões dançáveis para coisas nada rebolativas. "Stripped" (um dos muitos clássicos da banda) por exemplo, quando lançado nos Estados Unidos em 1986, foi um fracasso. Foi preciso que um 12" com remixes fosse colocado no mercado americano para satisfazer o apetite dos clubbers e de parte dos fãs que viam no Depeche Mode uma banda que não ia muito além do pop eletrônico sacolejante (extremamente bem feito, diga-se).
Depois do bem sucedido
Remixes 81-04 de 2004 (há rumores que essa compilação vendeu mais de um milhão de cópias), o trio lança uma segunda edição de parte de seus hits em versões recauchutadas. Claro que o aspecto financeiro é importante, mas ao mesmo tempo a banda respira e provavelmente pode trabalhar em material novo com um pouco mais de calma. Óbvio que existem bons, maus e péssimos momentos no disco triplo (!). Começando pelas mancadas, devo dizer que a pior coisa aqui é a versão do Digitalism para "Never Let Me Down Again": o duo alemão transformou a faixa de 1987 num monstro techno sem personalidade, distorcida, bizarra e sem a menor graça. O folk sinistro do SixToes para "Peace" também não ajuda, por que a própria música talvez seja uma das coisas mais medonhas que o Depeche já fez. "Personal Jesus" vem em três versões: uma mais house farofa que ficou a cara da Britney Spears feita pelo time de produtores noruegueses Stargate, uma mais barulhenta pelo britânico Alex Metric e outra mais climática pelo engenheiro de som e produtor Sie Medway-Smith com um solo de cello bem interessante. "In Chains" na visão do ex-integrante da banda, Alan Wilder, é tão soporífera quanto seus trabalhos com o projeto solo Recoil. Já outro ex-Depeche, Vince Clarke, se saiu OK com sua "Behind The Wheel": não mexeu muito na estrutura da canção e adicionou um baixo elástico que resultou numa levada mais amigável aos quadris, mas não conseguiu acertar a mão em "Freestate", encharcada com blips eletrônicos num clima quase industrial. Mark Stewart e seu Claro Intelecto transformou a dramática "Leave In Silence" numa experiência
IDM cheia de cliques, estalos e sons aquosos, com um resultado ambient. Há a parcela de remixes feitos apenas para adequar a música às danceterias, como o deep house "Dream On (Bushwacka Tough Guy Mix)", o bom trabalho do dinamarquês Trentemøller em "Wrong", a inesquecível "Strangelove" retrabalhada pelos craques Tim Simenon (
Bomb The Bass) e Mark Saunders e a ótima "A Pain That I'm Used To" de
Stuart Price (aqui na pele de Jacques Lu Cont). Um dos melhores momentos de
Remixes 2: 81–11 é protagonizado pelos suecos Christian Karlsson e Pontus Winnberg do Miike Snow, na sua versão psicótica de "Tora! Tora! Tora!". Tenho a impressão que a dupla colocou David Gahan num pau de arara enquanto aplicava choques elétricos no saco do vocalista, de tão apavorantes que ficaram esses vocais. A faixa teve reforçado o clima electro-opressivo do original de 1981 - tensão pura e um trabalho magistral. Agora, de fazer cair o queixo mesmo nessa coletânea, só o Röyksopp e sua "Puppets" (extraída do álbum de estréia,
Speak & Spell). Os noruegueses literalmente tiraram a faixa de contexto colocando pausas e alterações de tom nos vocais de Dave Gahan, que parece cantar outra música. Onde haviam sintetizadores pesados, o Röyksopp suavizou tudo com timbres mais brandos e a batida marcial da
TR-808 foi substituída por um ritmo percussivo sincopado. Um trabalho exemplar. No fim das contas, fica provado que nem só as discotecas citadas por Fletcher são o alvo dos remixes. A sala de estar e o quarto também são ambientes recomendados para ouvir as faixas que o Depeche Mode escolhe para jogar no liquidificador.
"Puppets" na versão do Röyksopp: é assim que se faz.