Guilherme Silveira (a.k.a. DJ Feijão) deu um tempo com o
Paradizzle pra lançar
Summer Body, o primeiro álbum do seu projeto Lola Disco, pela ianque
Sunrise Collective. O disco é um intrincado engavetamento de samples colados sob bases de french house ("I Want Your Love", a impronunciável "夏の準備は", "All The Time" e "G.T.H.Y.L.") e andamentos mais funky ("King Against The World", "Love Your Grooves"), entre amostras que vão de
ABC à
Rick Astley e alto poder de dançabilidade em 11 faixas originais e dois remixes. Com uma auto definição de tags que inclui disco, house, future funk,
nudisco e
vaporwave, é o próprio Guilherme que define qual é a da Lola, nesse papo que tive com ele:
Com tantas tags demarcando o território da tua música, onde exatamente está o Lola Disco?
Lola Disco foi um projeto que começou completamente despretensioso. Na verdade "ela" tinha uma outra função, foi um perfil fake que criei no Soundcloud para repostar as minhas outras coisas, do Paradizzle e também os sets e beats que fazia como DJ Feijão.
Entretanto, sempre fui muito afim de fazer uns beats no estilo Nu Disco/French Touch, queria deixar um pouco de trabalhar com a música Rap e experimentar coisas mais groove porque, na minha opinião, o Rap deixou de samplear o Funk e a Disco e caiu num tipo de música que não me agrada, algo muito dark, deprê.
E com uma música basicamente apoiada em samples, já rolou de artista/gravadora pedir pra retirar algum?
Respondendo mais diretamente a pergunta anterior, Lola Disco se encontra dentro do Future Funk, um estilo nascido a partir do Vaporwave - "Future Funk is a music genre that emerged from the Vaporwave genre in the summer of 2012. It is characterized with the heavy use of samples, primarily of 70's and 80's funk and disco." Nunca rolou nada de pedir pra retirar música por causa de sample.
Basicamente por usarmos em sua maioria samples de artistas desconhecidos. Caras que, pra eles, é até uma homenagem. E na verdade, só se fica sabendo do uso de algum sample quando a coisa fica realmente grande, e o artista em questão fica sabendo. Mas no meu caso nunca rolou nada.
Na virada dos 80 pros 90, pessoal do rap e da house começou a temer os processos por causa do uso de samples não autorizados. Tu achas que isso influenciou de alguma forma o processo criativo? No Summer Body tem ABC e Rick Astley, por exemplo. Tu não ficas receoso de tomar uma advertência?
Nao fico não, porque a label pela qual lancei o álbum não tem abrangência para tanto e inclusive o método de venda é o Name You Price, ou seja, o álbum está disponível para baixar de graça e paga quem quiser. Outra
coisa, estamos falando de um "gênero musical" onde o uso forte de
samples é obrigatório, portanto o grupo que consome esse tipo de música
já sabe disso e procura por isso.
Como é o teu processo de composição e montagem das faixas?
Basicamente se escolhe primeiramente um sample que pode se tornar um "main" sample a medida em que se escolhe outros samples para serem secundários. Muito frequente no caso de se usar a técnica do "micro sampling", em que se mistura samples de 4, 5, 6 ou mais músicas diferentes em uma mesma track, o que tenho feito em minhas últimas produções. Nas últimas também tenho adicionado outros elementos tocados por mim mesmo, como baixo e teclados. E nesse caminho quero seguir.
E no Summer Body tu cuidaste de tudo? Produção, mixagem masterização, etc...?
Sim, tudo. Tirando as faixas em que houve participações de outros caras, daí eles também participaram desse processo. VHS
Logos, grande produtor aqui do RS e um dos precursores do Vaporwave,
disse certa vez que o próprio artista que deve cuidar de sua própria mixagem
e masterização, pois só ele sabe o resultado onde quer chegar. Entretanto
isso requer muito estudo, algo em que estou tentando aprender, mas cada
vez o cara melhora mais um pouco, também não há uma regra em termos de
música.
E sobre hardware/software?
Eu uso o FL Studio, também conhecido como Fruity Loops, grande amigo de 9 entre 10 beatmakers de Rap, e foi assim que comecei. Ano passado comprei uma MPD, mas não consegui fazer ela funcionar como deveria, então ainda não a estou utilizando. Quando gravo baixo e outros instrumentos, uso alguns dos plugins que vem junto com o FL Studio. MPD é tipo uma MPC mais simples, que tu consegue sincronizar com o FL Studio ou outra DAW que você use.
Tu gravas os samples nela?
Isso, você consegue colocar, digamos, em cada Pad (botão) um recorte de sample que você recortou ou outro timbre de qualquer outra coisa, daí você consegue com as mãos ou "dedos" tocar no ritmo e dinâmica que você quer a sequencia que você pensou, junto com um Drum ou não.
Em "I Want Your Love", a introdução tem um ruído de estática numa frequência altíssima. Foi intencional?
Sim. Isso
faz parte do estilo, colocar gravações antigas, de rádio, TV e até
mesmo ruídos da época inicial da Internet, faz parte da coisa retrô da
história...
Não é contraditório um gênero chamado Future Funk buscar samples de disco e funk do passado?
Não acho contraditório porque justamente o nome já fala tudo, usar samples de coisas antigas para tentar parecer moderno ou do "futuro", que tem tudo a ver com a estética 80's do que eles pensavam ser o futuro, coisa que o Daft Punk faz desde os 90 com maestria. É que tipo, nos anos 70 e 80 a música tinha uma visão de futuro, eles se voltavam para o futuro. De uma maneira piegas e ingênua,
mas eles tinham essa visão. Depois veio o grunge e caras como Kurt Cobain só queriam se matar e serem deprês, hehehe... Não havia futuro para eles.
Samples são uma fonte esgotável?
Existe sim uma quantidade quase infinita de samples, porém tem gente que já sampleia coisa que já foi sampleada... Entretanto
acredito que, principalmente após o advento da música Rap e da
Eletrônica, onde o DJ virou protagonista, o conceito de música foi
mudado e hoje vivemos em outra época onde também a questão de ser
"músico" pode ser revista.
Há planos para mídia física do Summer Body?
O pessoal quer muito que eu lance o Summer Body em cassete. Mas isso não depende apenas de mim, teria que falar com o pessoal da Sunrise. Mas
pelo que já vi, com muito erros na entrega do material pelo pessoal que
faz, talvez ainda não valha a pena. Tipo gravação errada, capa errada,
etc... Já ouvi falar. E vá saber se vai vender mesmo.
Pra encerrar: tu tens algum tipo de planejamento sobre o projeto (vender determinado número de discos, excursionar, live PA, etc...), ou é um dia depois do outro, observando as reações?
Summer Body foi o fechamento de um ciclo, a partir de agora me voltarei para um outro foco.
Trabalharei cada vez melhor as tracks e um EP apenas de música brasileira está a caminho.
Com todo feedback positivo que ganhei no exterior com o Lola Disco, não seria justo que não tentasse ganhar o mercado nacional.
Como Lola Disco?
Ou outro nome, se achar que der na telha eu faço...
Summer Body, inteiro no Bandcamp: