"Boys", single da italiana Sabrina Salerno lançado em 1987, era mais ou menos como a maioria dos hits de pista vindos daqueles lados nos anos 80: exageradamente pop, chiclete, sazonal (o subtítulo "Summertime Love" evidencia o quanto se esperava que durasse a faixa) e apelativa. Fora que o visual de Sabrina não deixava dúvidas sobre o total desprendimento da cantora em relação ao conteúdo intelectual ou emocional de sua música. Bom, isso não faz a menor diferença. A música é ótima. Um Hi-NRG potente do tipo que o trio de produtores Stock, Aitken & Waterman daria o dedo mindinho pra fazer igual (certa vez eles confessaram que "Call Me" - de outra cantora que nadava na mesma piscina de Sabrina, a também italiana Ivana Spagna - era a melhor canção que eles nunca produziram). "Boys" foi um hitaço, vendeu muito (especialmente na Europa) e teve o vídeo banido na então conservadora Inglaterra de Margaret Thatcher, o que, óbvio, contribuiu pra alavancar o single até o número três do paradão do Reino Unido. E a Sabrina? Continuou trampando como cantora, compositora, produtora musical, modelo, atriz e apresentadora de TV. Ainda está na ativa e olha... ela era um pitéu, hm?
Queria saber qual é o método que o diretor de A&R da Get Physical (se é que eles tem um) usa pra acrescentar nomes ao cast e depois separar as faixas que entram nas
compilações da gravadora alemã. Imagine dezenas de músicas entupindo seu
email todo dia, com pretensos artistas que ainda não ultrapassaram musicalmente as
janelas dos seus próprios quartos.
Não é o caso da recente coletânea Words Don't Come Easy,
uma vez que a maioria aqui já tem uma carreira estabelecida (mesmo que
grande parte ainda não tenha sentido o gostinho do mainstream) e a
seleção não contenha exclusivamente lançamentos, as faixas foram
pinçadas do belíssimo catálogo da Get
Physical. A regra é uma só: tem
que ter vocais. Daí o nome do disco, uma provável citação ao refrão do
hit chumbrega "Words", de F.R. David (1982).
Abrindo os trabalhos com "Hausch", da dupla alemã andhim (em minúsculas, mesmo), dá pra sacar que a Get Physical seguiu à risca o tema, ainda que alguns cantores não tenham trabalhado exclusivamente para as faixas da seleção escolhida - porque em "Hausch", a impressão que tenho é que foi tudo extraído via sampler de velhos discos de blues e gospel. O resultado final compensou; lembra um Moby circaPlay. O mesmo vale para a climática "Till The End Of...", de Anthony Middleton - embora a fonte destas vozes aparente ser outra (algum R&B que eu não conheço?). O próprio Middleton engata outra faixa no álbum, numa parceira com o DJ e produtor Luca Saporito e seu projeto Audiofly ("6 Degrees", que aparece num remix do Tale Of Us, com a voz da misteriosa Fiora).
A quarta faixa - do desconhecido Bedouin - é um crossover de pós-punk com dance music que rendeu a ótima "Walk Away". Agrada tanto na sala de estar quanto na pista de dança e é um dos melhores momentos da coletânea.
"It's All I Need", do duo mexicano Climbers, é uma surpreendente house vinda daqueles lados. Linha de baixo potente e empréstimo vocal de Judy Cheeks ("Respect", 1995). "Sunset", do belga Maxime Firket (Compuphonic), mantém o padrão alto de qualidade num tech house elegante (com vocais do cantor e violinista Marques Toliver) e com velocidade abaixo do usual.
A faixa mais pop e divertida de Words Don't Come Easy é, sem dúvida, o balaço "City Life" (com Cari Golden ao microfone e um remix espetacular de Maceo Plex). É uma merecida segunda chance para uma canção lançada originalmente em 2011.
As esquisitices também valem a pena. Excentricidades são sempre bem-vindas - como as mostradas nos pianinhos nervosos e nos vocais completamente desengonçados de "Remember Love", do duo francês Nôze (2007); nos backing vocals que emulam uma espécie de Laurie Anderson tech house (em "Crazy", da cantora pop francesa Ornette) e especialmente em "Moment" (Damian Lazarus, 2009), que começa como um pop nostálgico à Deacon Blue e termina como uma produção do DJ Koze.
Pra fechar, um remix fresquinho de uma música que já vinha pedindo uma atualizada há tempos: a clássica "Pearls" (Sade), saiu da sala de cirurgia com uma cara renovada (mesmo com poucos retoques) pelas mãos competentes do produtor Timo Jahns - que manteve inalterados os vocais extracool do original.
O saldo é altamente positivo. Não há uma faixa ruim em Words Don't Come Easy e quase tudo funciona bem tanto em casa quanto na pista - o que é sempre bom sinal. De quebra, reforça a certeza de uma posição alta pra Get Physical num hipotético Top 10 Gravadoras Mais Importantes de Dance Music dos últimos 10 anos.
Passado o susto inicial causado pela primeira faixa disponibilizada pelo Disclosure ("Bang That", saiu no início desse mês) de seu próximo álbum, a dupla londrina solta agora outra amostra. "Holding On" tem ao microfone o cantor de jazz californiano Gregory Porter (vencedor do Grammy do ano passado na categoria Melhor Disco de Jazz com Vocais, por Liquid Spirit) e é justamente pela presença de Porter e pelo arranjo mais sóbrio que "Holding On" soa mais classuda e elegante, um tanto diferente do ritmo alucinado e dos samples de "Bang That". Ou seja, não dá pra prever mesmo que direção a dupla vai seguir no disco novo.
Terra pródiga em bandas legais a Islândia. Vök é mais uma pra lista. Tem só dois anos e acaba de lançar Circles, o segundo EP (o primeiro, Tension, é de 2013), pela pequenina gravadora independente Record Records, sediada na capital Reykjavík. O som do trio formado por Margrét Rán (vocais, guitarra, teclados), Andri Már (saxofone, Akai APC) e Ólafur Alexander (guitarra, baixo) é um electropop em câmera lenta, com paisagens construídas por sintetizadores tão congelantes quanto um dia de noite absoluta no inverno do Círculo Polar Ártico. Um tempo atrás dava pra chamar de trip-hop que ninguém iria brigar.
Um dos trunfos do grupo da terra de Björk é a vocalista Margrét Rán. Canta muito. Mostra um controle invejável ao sussurrar e subir de tom muito rápido no curto espaço de uma tomada de fôlego ("If I Was"), fragilidade e potência ("Waterfall") e com a voz encharcada de reverb, bota um pé num dream pop que não dá sono ("Circles").
Com saxofones afiados atravessando o downtempo "Adrift", o Vök fecha com quatro faixas um EP que merece os 17 minutos da sua atenção. É mais ou menos o que o The Knife já fez bem - antes da dupla sueca lacrar sua trajetória com o pedante Shaking the Habitual (2013), ou seja, é um nicho que tá caindo de maduro pro Vök aproveitar. Potencial tem de sobra.
Acho que Cybekks, o EP mais recente de Robag Wruhme, deve ter sido gerado na mesma mansão em que Trent Reznor gravou The Downward Spiral - o local foi palco do assassinato da atriz Sharon Tate, pela trupe de lunáticos liderada por Charles Manson, em 1969.
Isso explicaria a aura sobrenatural do disco. Há desde os strings camerísticos ameaçadores da faixa título até a placidez do piano opaco de "Anton I" e a caixinha de música sinistra envolta em cânticos do além em "Anton II". A melhor do EP é "Volta Cobby": recortes de vozes possuídas, riff deformado de sintetizador e clima fantasmagórico. Pampa Records acerta de novo (nenhuma novidade).
"Volta Cobby": faixa poderosa e vídeo perturbador.
Formado na Alemanha pelo produtor Volker Then, o misterioso Friends Of Carlotta deixou só quatro singles na discografia. "Fingerfoc", de 1990, foi o único hit do projeto. Foi inserido no movimento new beat, mas o ataque rítmico da faixa ganha em ousadia se comparado a maioria dos artistas belgas do gênero. Com vozes provavelmente sampleadas, "Fingerfoc" tanto pode ser uma ode à masturbação como uma singela homenagem aos apreciadores dos prazeres proporcionados pelo toque ("Put your finger in a hole"). Seus gemidos orgásticos, sintetizadores épicos e socadas corajosas de bumbo, ganharam pistas e status cult mundo afora. Aqui no Brasil não foi diferente: a faixa saiu na coletânea Overnight Remixes II (1992), com seleção de repertório feita pelos DJs Carmo Crunfli e Casinho, da extinta casa noturna paulistana.
Parta do princípio de que, se conheci esse ano, é uma cara nova (pra mim, ao menos). Porque o Kite - duo synthpop sueco formado por Nicklas Stenemo e Christian Berg - está na ativa desde 2008 e Kite VI já é o (dããã) sexto EP da dupla. Definido por publicações suecas e alemãs como um mix de Vangelis e Kraftwerk, VI tem todos os requisitos básicos de um (mini) álbum de technopop: épico, enegrecido, radicalmente eletrônico, dominado por um clima de isolamento e uma certa frieza emocional. Some a isso os particularíssimos vocais de Nicklas Stenemo - o nível de dramaticidade bate no vermelho - e os sintetizadores congelantes de Christian Berg e voilà: temos uma banda convincente e com bom potencial para agradar os fãs do gênero.
A melhor de Kite VI é a abertura soturna "Up For Life", embora ela seja estendida (desnecessariamente) até o dobro da duração que deveria. Uma radio edit pode limar a segunda metade que sobra. Fora isso, menção honrosa para o bom trabalho das maquininhas de Berg em "Count The Days" e os vocais sofridos de Stenemo no darkismo explícito (a despeito do título) de "True Colors".
O que não funciona é o ritmo pretensamente dançante (dá pra sacar que essa não é a praia do duo) em "It's Ours" e os exageros dos efeitos de voz em "Nocturne". Precisa não, Kite, o cara já tem um filtro natural na garganta. Kite VI é bom. Aparando algumas arestas aqui e ali, um Kite VII pode vir melhor ainda.
Atenção porque a chance disso virar hit massivo é enorme. Primeiro que o novo EP de James Curd (Jack Be Nimble) é sensacional. Segundo que as cinco faixas são ótimas, mas dê uma ouvida na abertura (a house ganchuda da faixa título) e comprove o quanto ela é divertidíssima, cosmopolita e compulsivamente dançante, ou seja, tem todos os ingredientes pra voar alto nos paradões e nas pistas.
Mas ela não está só. Curd grava disco com cara de 2015 no hi-hat sibilante e na linha de baixo mastodôntica de "Tornado In The Basement" (e a ordem é uma só: "shake it, shake it!"); soa como um Gino Soccio recém saído do spa com a guitarra funky, os vocais femininos, o trompete incisivo e mais um baixo fora da casinha em "Everybody Knows"; busca timbres de sintetizadores oitentistas pra adornar o funk eletrônico de "Caught Again" e esbanja finésse e apuro com o piano elétrico à Marcos Valle de "Forever Your Friend".
Então, estamos diante do EP do ano até agora ou o quê?
O mix de blues com eletrônica já rendeu bons discos. Desde o espetacular The Dark Side Of The Moon (1973, Pink Floyd), passando por Violator (1990, Depeche Mode), até Play (1999, Moby) e Tourist (2000, St. Germain). Os métodos de produção vão mudando com o tempo. Pink Floyd e Depeche compunham o próprio material, fartamente influenciados pelo gênero; Moby fez do sampler seu instrumento de trabalho e Ludovic Navarre (St. Germain) combinou os dois. O modus operandi do francês Tristan Casara consiste em atualizar ou regravar clássicos e faixas obscuras, sem mexer muito na estrutura original, além de também compor.
O debut de seu projeto The Avener, The Wanderings of the Avener, saiu em Janeiro, depois do sucesso do single "Fade Out Lines", no final do ano passado. A faixa não passa de um remix ligeiramente houseificado para a ótima "The Fade Out Line" (2013), da cantora Phoebe Killdeer.
"It Serves You Right to Suffer", clássico de
John Lee Hooker de 1966, não foi muito além do esquema caixa, bumbo e efeitos discretos. O mesmo valendo pro pop onírico do Mazzy Star em "Fade Into You", provavelmente a faixa mais popular do duo americano. A impressionante "Celestial Blues" (1974), do pianista e barítono americano Andy Bey, ganhou uma boa levada dançante a despeito do constrangedor efeito de voz. É o crime mor do Avener no disco.
Vou fingir acreditar nas boas intenções de Tristan Casara com esse projeto, por isso é impossível não simpatizar com a linda "Castle In The Snow", com os vocais emotivos de Amina Cadelli, do enigmático grupo suíço Kadebostany.
Felizmente, para cada escorregada em Wanderings of the Avener, como "We Go Home", de Adam Cohen (filho de Leonard Cohen) - que parece trilha de comercial de companhia aérea - há bons momentos que compensam, como os violões folk e a ótima voz da norueguesa Ane Brun (em "To Let Myself Go") ou a surpreendente participação do recentemente redescoberto Sixto Rodriguez (em "Hate Street Dialogue"). Outra surpresa é a transformação de "Lonely Boy" (Black Keys), do enérgico garage rock original para uma comportada faixa dance.
No geral, The Wanderings of the Avener é isso, mesmo: Casara dá um trato sutil em alguns artistas esquecidos ou ainda ignorados (o que é louvável) e também exibe sua perspectiva de música de pista para canções de nomes que vão do blues ao dream pop (John Lee Hooker, Black Keys, Mazzy Star). Ele acerta na maioria das 14 faixas e mostra bom gosto na escolha do repertório, presta o grande serviço de apresentar bastante coisa boa, desconhecida do grande público (eu, inclusive), mas espero um disco autoral pra considerar como estreia. Por enquanto, a ideia é excelente.
"Waiting Around to Die", na versão do grupo folk canadense The Be Good Tanyas...
Nem sei se dá pra chamar o Figures On A Beach de one hit wonder, porque a única coisa dessa banda de Detroit que sentiu o cheirinho do sucesso foi seu cover para "You Ain't Seen Nothing Yet", originalmente um enérgico hard rock lançado em 1974 pelos canadenses do Bachman–Turner Overdrive. O single do Figures (último da carreira do grupo) foi lançado em 1989 e beliscou um modesto 67º lugar no Hot 100 da Billboard (a do BTO chegou em primeiro nos 70), mas em compensação a versão Club Mix foi bem nas pistas. Aqui no Brasil, as FMs massificaram. Foi uma adaptação despretensiosa, mas bem feita. O Figures On A Beach criou uma (excelente) linha de baixo novinha em folha, manteve o riff pesado de guitarra, injetou uns sintetizadores contidos e, verdade seja dita, o vocalista do Figures, Anthony Kaczynski, canta (ao menos nessa faixa) muito melhor que Fred Turner, dos Overdrives. É um pop house simplesinho, mas delicioso.
A "You Ain't Seen Nothing Yet" do Figures On A Beach: melhor que o original.
Com duas vocalistas mais lindas que a realidade e vestidos nesses Versace impecáveis da cabeça aos pés, o Ace Of Base teve seu momento. O debut do quarteto sueco, Happy Nation (1993, relançado pro mercado americano como The Sign, com tracklist diferente) é uma das estreias mais bem sucedidas comercialmente de todos os tempos, com mais de 25 milhões de cópias vendidas. Bom, hein? E o que dizer sobre o álbum seguinte, The Bridge, de 1995? Mais maduro e introspectivo (clichês inevitáveis, me perdoe) e com participação efetiva dos quatro membros no processo de gravação e produção, amargou menos de um terço das vendas de seu antecessor. Mas peraí, quem é que vende 7 milhões de cópias hoje em dia? Pra você ver como o mercado mudou.
Bom, a carreira do Ace Of Base vem ladeira abaixo desde então, com hits esporádicos, covers duvidosos e a debandada de Linn e Jenny Berggren (irmãs do chefão Jonas "Joker" Berggren, o da esquerda na foto acima). Aí, calhou do que restou do grupo catar 15 faixas não lançados oficialmente mais alguns lados B da fase boa do projeto (1991/2005) - não por coincidência, o período que tem as irmãs Berggren nos microfones - e chamar isso pretensiosamente de Hidden Gems. O disco tem faixas onde a química do dancehall asséptico de megahits como "All That She Wants" e "The Sign" funciona muito bem, é só ouvir "No Good Lover" (B-side do single "Life is a Flower" e tão boa quanto) ou "Giving It Up" (sobra de gravação inédita de The Sign). Porque era isso que todo mundo esperava: uma nova "Happy Nation", uma outra "Wheel of Fortune" saindo da cartola e, bom, não foi exatamente isso que aconteceu. Claro que Hidden Gems tem músicas que realmente nem deveriam ter visto a luz do dia, caso das pavorosas "Make My Day" (que de tão ruim, ganha um constrangedor fade out antes dos três minutos) e "Come to Me" (uma pálida imitação de, nossa, Vengaboys). Mesmo assim, dá pra pescar coisas bacanas aqui, como aquele riff esquisito de teclado característico do grupo (em "Prime Time") ou as lindas harmonias vocais das gurias na bela pop song "Into the Night of Blue" e em "Mercy Mercy".
Uma ouvida em Hidden Gems e dá pra desenvolver a inovadora tese de que uma coletânea de sobras do Ace Of Base é melhor que 90% dos discos pop lançados hoje em dia.
Depois de um álbum (Happiness Is Happening) e um single em colaboração com o Simian Mobile Disco (Hachinoko) lançados ano passado, o camaleônico Roman Flügel volta com um 12" prestando reverência ao continente de Fela Kuti. Sliced Africa saiu pela gravadora alemã Dial Records (distribuído via Kompakt) e traz três faixas faixas onde, obviamente, a inspiração vem da matriz africana e sua imensurável influência sobre a música pop. Nesse sentido, a faixa título e todo aparato percussivo contido nela é a amostra mais clara da proposta. A longa "Black Towers" é algo como uma "Trans-Africa Express": uma locomotiva de ritmo incessante e teclados ambient que só potencializam o efeito paisagístico que ela causa. "Spiritual Enhancer" é um techno de rotação baixa, tão engrenado e hipnótico quanto as produções daquela banda de Düsseldorf que mudou a música de direção nos anos 70.
Conforme-se: aquele Chic dos 70 não volta mais. Isso de "Back In the Old School" (como sugere a faixa que preenche o lado B do single "I'll Be There", lançado em Março) vale pra busca de referências e inspiração, mas o globo espelhado e as bocas de sino da novela não vão voltar - salvo ocasiões especiais. O Chic soa incrível nesse single, como de costume. Tem naipe de metais reluzentes, harmonias vocais lindas, a guitarra inconfundível de Nile Rodgers, calor e suingue... mas é um Chic preso ao tempo. São 23 anos sem música nova, são duas boas canções (com duas versões instrumentais de bônus), mas dizer que é autoparódia não é exagero. Ouço com respeito, é um trabalho admirável com um batalhão de gente envolvida. Só não consegui me empolgar. O álbum It's About Time sai mês que vem e a pergunta é uma só: vem tudo nesse clima retrô?
A produção de Jake Williams sob seu pseudônimo Rex The Dog é parca. Um álbum e uma dezena de singles, desde 2004. O 12" mais recente, Sicko (saiu em Março, pela Kompakt), inverte a ordem do formato: a melhor dance track está no lado B. A faixa título é um sonolento exercício techno monossilábico de seis minutos - lá pela metade um break introduz teclados ambient que aparentam uma retomada diferente, mas a calmaria dura menos de um minuto e volta o tom monocórdico (e chato) da música. Polegar em riste, no entanto, para o B side "Korgasmatron": bons vocais e variações acid sem freio da linha de baixo.
Prolificidade: esta não é uma das qualidades do produtor francês Nicolas Chaix. Em 2012, seu I:Cube cravou o melhor álbum de dance music daquele ano (o espetacular "M" Megamix) e de lá pra cá, foi apenas um single (o techno cabeçudo Cubo Rhythm Trax, lançado ano passado). Negócio é que se for pra esperar por material que valha a pena, tá tudo certo. E seu novo single, Cryptoporticus, é excelente. Chaix continua com sua visão torta sobre beats e timbres, o que é muito legal. O lado B "Hovercraft", é um rolê de sete minutos pela estratosfera, com sintetizadores impondo um climão sci-fi, equilibrado entre retrô e futurista. Agora, a faixa título "Cryptoporticus (Cloudy Mix)", me impressionou. Ele espalha bleeps techno da escola Warpcirca 1990, uma chuva fina de cristais sintetizados (que corre junto com a linha de baixo hipnótica) e um cântico gótico assustador. Tudo cozinhado à fogo baixo e movimentos lentos. Tem, de lambuja, uma versão da faixa com um minuto e meio, sem o baixo e bateria da original: só um sussurro ininteligível e os bleeps, apropriadamente chamada "Bleepapella". Vai já pra lista de melhores do ano.
"Cryptoporticus (Cloudy Mix)": pra dançar virado pra parede.
A compositora japonesa Noah começou a produzir em 2009. Em 2011 ganhou um concurso de remixes da gravadora nipônica Flau, em 2013 gravou duas mixtapes com a produtora californiana Kitty Pryde e oferece, agora em 2015, um aperitivo do seu álbum (Sivutie, que deve sair em Junho). MOOD traz cinco faixas com um sofisticado blend de batidas hip-hop e suaves intervenções de piano, metais e guitarras. Perfeito pra deixar no repeat, deixar levar-se pelos loops e se estatelar no sofá. "Ascencion" tem o rap do texano Siddiq e mesmo assim a coisa aqui está mais pra Digable Planets do que Public Enemy.
27 anos, admiravelmente bonita e fazendo um som fino desses, vale a pena ficar ligado pra ver o que Noah vai apresentar no seu debut Sivutie. Por enquanto, MOOD abriu o apetite.
Pra quem lançou um dos melhores singles da Kompakt no ano passado ("Headache"), esse mais recente (saiu em Março) da dupla alemã Terranova decepciona. São duas músicas bem longas - mesmo na versão original, a faixa título "Labrador" tem quase dez minutos. Ela demora a engrenar... e não engrena. Riff sem graça que aparece quase no meio da faixa, o tema instrumental parece uma introdução de nove minutos. "Twisted (Dub)" é um pouco mais esperta, mas não deixa de ser um tech house no piloto automático. Dia 11 de Maio, o duo lança o novo álbum Restless, também pela Kompakt.
Dono de um dos melhores álbuns do ano passado (Singles), o Future Islands volta com um single de lado A duplo (no formato digital), The Chase/Haunted By You. Já existe a pré-venda de uma versão em vinil 7" (pela gravadora inglesa 4AD), com número limitado de 2,400 cópias e uma faixa de cada lado.
"The Chase" é mais próxima do electropop de Singles, com a habitual competência de William Cashion no baixo e os vocais apaixonados de Samuel Herring, enquanto "Haunted By You" flerta com o rock alternativo sem muitas firulas dos teclados. A banda tem agenda cheia até Setembro, com mais de 30 shows marcados até o momento.
E o drum'n'bass, como vai? Bem, obrigado. Exposição moderada no mainstream (o Rudimental é o caso mais recente) é saudável para o gênero e bons singles são lançados constantemente, basta estar atento.
DJ e produtor, o francês Julien Salvi é um bom exemplo. Atrás dos toca-discos desde 1999 e no estúdio desde 2003, Salvi assumiu o pseudônimo Redeyes e já gravou dois álbuns e vários singles. O Redeyes acaba de soltar um novo EP, Memory Lane Part 1. São quatro faixas inéditas mais um remix para "Psychonaut" (a faixa de abertura, com vocais do MC holandês Dan Stezo). Neste primeiro volume da série, ele pega leve num liquid funk atmosférico, com enxertos de rap ("Psychonaut"), soul ("She Said") e a doçura de um piano com notas marteladas sem muita intensidade ("Memory Lane"). Vale o confere.
Heart Hides é o segundo EP do Ascio (o primeiro, Why Don't You, saiu ano passado), projeto solo de Lucio Morais (metade do Database). Clima baleárico levado por percussão, guitarra sutil e lindos arpejos de baixo, "Heart Hides" tem os vocais angelicais da australiana San Mei, o que colaborou pra deixar a faixa com todo jeito de dream pop pra pista de dança.
Quem explica melhor a música é o próprio Lucio:
Como rolou a colaboração de San Mei? Já tinha ouvido alguns singles dela em um blog, dai quando rolou a parte instrumental da track, foi a primeira pessoa que pensei, mandei mensagem pra ela por facebook e ela topou, foi tudo bem rápido.
Há planos de algum 12" para a faixa? Adoraria, talvez um pouco mais pra frente, enquanto isso tem as remixes que devem lançar na próxima segunda-feira, remixes de F82, L_cio e Since Now.
Trashy, bobinhos e sem o menor pudor de pagar micos gigantescos (especialmente nos vídeos), os membros da banda (oi?) dinamarquesa Aqua mais parecem personagens de desenho animado. Na real, é meio isso, mesmo. O eurodance de vocais infantilóides da delícia Lene Nystrøm (Morten Harket, do A-ha, pegou e depois tomou um pé na bunda) é pop chiclete, divertido e altamente descartável - tanto quanto eram as primeiras produções de Phil Spector (Teddy Bears, Bob B. Soxx). Devaneio? Compare: a mesma bobajada açucarada, os mesmos joguinhos de vocais de casalzinho, os mesmos refrões repetidos ad infinitum, o instrumental qualquer nota...
"Barbie Girl" ultrapassa meu limite pessoal de cafonice, mas "Doctor Jones", "My Oh My", a baladinha adulta (pros padrões do Aqua) "Turn Back Time" (trilha do filme De Caso com o Acaso, de 1998, com Gwyneth Paltrow) e, especialmente, "Lollipop (Candyman)", eu ouço sem culpa. "Lollipop", aliás, é uma pérola: versa coisas como "eu gostaria que você fosse meu pirulito" (ops) e "morda-me, eu sou seu, se você estiver com fome" no mais ambíguo dos sentidos, enquanto um pianinho safado gruda - mesmo a contragosto - no cérebro.
Imensamente popular na segunda metade dos 90, o Aqua deu um tempo em 2001, mas retornou em 2007 e lançou o terceiro disco em 2011, uma tentativa de adultização do seu pop no flopado Megalomania. Aquele Aqua de 1997 rendeu boas risadas. E a Lene, hmmm...
Já presente nos sets do Disclosure há algum tempo, "Bang That" é a primeira faixa do próximo álbum que a dupla inglesa sobe no Soundcloud. Os vocais foram emprestados de "Pass Out" (2002), do obscuro projeto electro 313 Bass Mechanics. "Bang That" me causou uma certa estranheza, é um Disclosure mais áspero em relação à house redondinha presente na maioria das faixas do debut Settle, de 2013. Negócio é esperar pra ver se o segundo disco dos irmãos Lawrence vai nessa direção.